Jiddu Krishnamurti (*)
. . .
Ele
era um homem jovem, acabara de sair da faculdade e era entusiasmado. Movido
pelo desejo de fazer o bem, recentemente aderira a um movimento no sentido de
ser mais eficaz, e gostaria de dedicar
toda a vida a ele; mas, infelizmente, seu pai era inválido, e ele tinha
de sustentar os progenitores. Ele percebia os inconvenientes do movimento, como
seus méritos, mas o bem compensava o mal. Não era casado, disse, e nunca o
seria. Seu sorriso era amigável, e ele estava ansioso por se expressar.
“Outro
dia, eu estava presente em sua palestra, na qual você disse que a verdade não
pode se organizada, e que nenhuma organização pode levar alguém a ela. O senhor
foi muito definitivo a esse respeito, mas sua explicação não foi totalmente
satisfatória para mim, e quero debater esse tema. Sei que você foi líder de uma
grande organização no passado, a Ordem da Estrela, que o senhor dissolveu, e,
se me permite perguntar, isso correu por um capricho pessoal ou foi motivado
por algum princípio?”
Nenhum dos dois. Se existe uma causa
para a ação, há ação? Se você renuncia por conta de um princípio, uma ideia,
uma conclusão, há renuncia? Se você abandona algo em nome de algo maior, ou por
alguma pessoa, isso significa, de fato, abandonar?
“A
razão não desempenha um papel relevante na renuncia; é isso que quer dizer?”
A
razão pode levar alguém a se comportar desta ou daquela maneira; mas o que é
concebido pela razão pode ser desfeito pela razão. Se ela é o critério da ação,
a mente nunca pode estar livre para agir. A razão, não importa qual sutil e
lógica, é um processo de pensar, e o pensar é sempre influenciado, condicionado
por fantasia pessoal, pelo desejo ou uma ideia, uma conclusão, seja imposta ou
autoinduzida.
“Se
não foi razão, princípio ou desejo pessoal o que o levou a fazer isso, então
foi algo fora de si mesmo, um agente superior ou divino?”
Não.
Mas talvez fique claro se pudermos abordar o assunto de maneira diferente. Qual
é o seu problema?
“Você
disse que a verdade não pode ser organizada e que nenhuma organização pode
levar o homem à verdade. A organização a que pertenço sustenta que o homem pode
ser levado à verdade por meio de determinados princípios de ação, do esforço
pessoal correto, de se entregar às boas obras e assim por diante. Meu problema
é o seguinte: será que estou no caminho certo?”
Você
acha que há um caminho par a verdade?
“Se
não achasse isso, não pertenceria a essa organização. Segundo nossos lideres, a
organização se baseia na verdade; é dedicada ao bem-estar de todos, e ajudará
tanto o aldeão quanto as pessoas altamente educadas e que detêm cargos de
responsabilidade. No entanto, quando ouvi sua palestra outro dia, fiquei
perturbado, e por isso aproveitei a primeira oportunidade de visitá-lo. Espero
que você compreenda minha dificuldade.”
Vamos
abordar o assunto devagar, passo a passo. Em primeiro lugar, há um caminho para
a verdade? Um caminho implica avançar de um ponto fixo a outro. Como entidade
viva, você está mudando, reformulando, forçando, questionando a si próprio, na esperança
de encontrar uma verdade permanente, imutável. Não é mesmo?
“Sim.
Quero encontrar a verdade, ou Deus, a fim de fazer o bem”, ele respondeu com
entusiasmo.
É
certo que não há nada permanente em você além do que você considera como tal;
mas seu pensamento também é transitório, não é? E a verdade teria um lugar
fixo, sem qualquer movimento?
“Eu
não sei. Vemos tanta pobreza, tanta infelicidade e confusão no mundo, e com
nosso desejo de fazer o bem, aceitamos um líder ou uma filosofia que ofereça
alguma esperança. De outra forma, a vida seria terrível.”
Todas
as pessoas decentes querem fazer o bem, mas a maioria de nós não reflete sobre
o problema. Dizemos que não podemos pensar sozinhos ou que os lideres sabem
mais. Mas será certo? Veja os vários lideres políticos, os chamados líderes
religiosos e os lideres da reforma econômica e social. Todos têm esquemas, cada
um dizendo que o seu é caminho para a salvação, para erradicação da pobreza e
assim por diante; e indivíduos como você que querem agir em face de toda essa
infelicidade e caos, são apanhados na teia da propaganda e das afirmações
dogmáticas. Você não reparou que a própria ação gera muito mais infelicidade e caos?
A
verdade não tem domicílio fixo; é algo vivo, mais desperto, mais dinâmico do
que tudo que a mente possa pensar, portanto, não pode haver caminho para ela.
“Acho
que compreendo isso, senhor. Mas você é contra todas as organizações?”
Obviamente,
seria tolo ser “contra” os correios ou outras organizações similares. Mas você
não está se referindo a essas organizações, não é?
“Não.
Estou falando de Igrejas, grupos espirituais, sociedades religiosas e por aí
vai. A organização à qual pertenço abraça todas as religiões, e qualquer um que
esteja preocupado com melhora física e espiritual do homem pode ser um membro. Evidentemente,
essas organizações sempre têm seus líderes, que dizem conhecer a verdade, ou
que levam uma vida santificada.”
A
verdade pode ser organizada, com um presidente e um secretário ou com altos
sacerdotes e intérpretes?
“Se
compreendi a questão corretamente, parece que não. Então por que esses líderes
santificados dizem que suas organizações são necessárias?”
Não
importa o que dizem os líderes, pois eles são tão cegos quanto seus seguidores;
caso contrário, não seriam líderes. O que você acha, independente de seus
lideres? Essas organizações são necessárias?
“Talvez
não sejam estritamente necessárias, mas realmente encontro conforto ao
pertencer a uma dessas organizações, e trabalhar com outras pessoas com a mesma
visão.”
Exato.
E há também um sentimento de segurança em ser orientado sobre o que fazer, não?
O líder sabe, e você, o seguidor, não sabe; assim, sob a direção dele, você
sente que pode fazer a coisa certa. Ter uma autoridade sobre a sua pessoa,
alguém para guiá-lo, é muito reconfortante, especialmente quando em todos os
lados há tanto caos e infelicidade. É por isso que você se torna não exatamente
um escravo, mas um seguidor, executando o plano estabelecido pelo líder. É
você, o ser humano, que causa toda essa bagunça no mundo, mas você não é
importante; só ao plano dão importância. Mas o plano é mecânico, precisa de
seres humanos para colocá-lo em operação; portanto, você se torna útil ao
plano.
E
existem os sacerdotes, com sua autoridade divina para salvar a alma, e desde a
infância você é condicionado por eles a pensar de certa maneira. Novamente,
você não é importante como ser humano; não é sua liberdade, seu amor, o que
interessa, mas sua alma, que deve ser salva de acordo com os dogmas de
determinada religião ou seita.
“Eu
vejo a verdade disso, realmente vejo, como você explica. Então, o que é
importante em meio a toda essa confusão?”
O
importante é livrar sua mente de inveja, ódio e violência; e para isso você não
precisa de uma organização, precisa? As chamadas organizações religiosas jamais
libertam a mente; só fazem com que ela se conforme a determinada religião ou
crença.
“Eu
preciso mudar; deve haver amor em mim, tenho de deixar de ser invejoso, e então
agirei sempre corretamente. Não precisarei que alguém me diga qual é a ação
correta. Vejo, agora, que essa é a única coisa que importa, e não a que organização
pertenço.”
Podemos
seguir o que, em geral, é considerado uma ação correta, ou receber instruções sobre
o que é a ação correta; mas isso não gera amor, gera?
“Não,
evidentemente que não; assim estamos apenas seguindo um padrão criado pela
mente. Mas uma vez, vejo com muita clareza, senhor, e agora entendo por que
você dissolveu a organização da qual era líder. Um indivíduo deve ser uma luz
em si mesmo. Seguir a luz do outro nos leva à escuridão.”
(*) Parte de um dos textos de Jiddu
Krishnamurti no livro: Comentários sobre o viver. Breves
textos – Volume 3. Rio de Janeiro: Nova Era, 2012
Olá Roberto,
ResponderExcluirMandei um e-mail, para vc.
Abraços,
Luiz Otávio