Jiddu Krishnamurti (*)
Além disso tudo, depois da curva e subindo o
rio, há um amontoado de edifícios. Com suas avenidas arborizadas e amplas ruas,
eles se estendem por vários quilômetros para o interior; e, ao longo do rio,
por uma alameda estreita e suja, a pessoa entra nesse vasto campo de
aprendizagem. Muitos alunos de todas as partes do país estão lá, ansiosos,
ativos e barulhentos. Os professores são imponentes, tramando por melhores
cargos e salários. Ninguém parece estar muito preocupado com o que acontecerá
com os alunos quando eles forem embora. Os professores transmitem certos
conhecimentos e técnicas que os mais inteligentes rapidamente absorvem; e,
quando eles se formam, isso é tudo. Eles têm empregos garantidos, têm famílias
e segurança; mas, quando os alunos vão embora, precisam enfrentar a agitação e
a insegurança da vida. Existem esses edifícios, esses professores e alunos por
toda parte. Alguns alunos alcançam fama e reconhecimento no mundo; outros
respiram, lutam e morrem. O Estado quer técnicos competentes, administradores
para guiarem e controlarem; e ainda há o Exército, a Igreja e os negócios. No
mundo inteiro, é igual.
É para aprender uma técnica e ter um emprego,
uma profissão, que passamos por esse processo de ter a mente superficial
recheada de fatos e conhecimentos, não é? Obviamente, no mundo moderno, um bom
técnico tem mais chance de ganhar a vida; mas e daí? Alguém que seja um técnico
está mais capacitada a enfrentar o complexo problema de viver do que um que não
o seja? Uma profissão é apenas uma parte da vida; mais existem também aquelas
partes que são ocultas, sutis e misteriosas. Enfatizar uma e negar ou
negligenciar o restante deverá levar inevitavelmente a atividades muito
desequilibras e desintegradoras. É isso precisamente o que está acontecendo no
mundo atual, com o aumento constante de conflitos, confusões e infelicidade. Claro
que existem algumas exceções: os criativos, os felizes, aqueles que estão em
contato com algo que não é criado pelo homem, que não dependem daquilo que
pertence à mente.
Você e eu temos intrinsecamente a capacidade de
sermos felizes, criativos, de estarmos em contato com algo que transcenda as
garras do tempo. A felicidade criativa não é uma dádiva reservada a poucos; por
que, então, a maioria não conhece essa felicidade? Por que alguns parecem
manter contato com o que é profundo
apesar das circunstâncias e dos acasos, ao passo que outros são destruídos por
eles? Por que alguns se mostram resistentes, maleáveis, enquanto outros
permanecem inflexíveis e são destruídos? Apesar do conhecimento, alguns mantêm
a porta aberta para aquilo que nenhuma pessoa e nenhum livro pode oferecer,
enquanto outros são sufocados pela técnica e pela autoridade. Por quê? Está
relativamente claro que a mente deseja ficar presa e garantida em algum tipo de
atividade, negligenciando assuntos mais profundos e amplos, pois desse modo,
estará em terreno mais seguro; então, sua educação seus exercícios e suas
atividades serão estimulados e sustentados nesse nível e desculpas serão
encontradas para que não avancem além disso.
Antes de serem contaminadas pela suposta
educação, muitas crianças estão em contato com o desconhecido; elas demonstram
isso de muitas maneiras. Mas logo o ambiente começa a fechar-se em torno delas
e, depois de certa idade, elas perdem aquela luz, aquela beleza que não é
encontrada em livros ou escolas. Por quê? Não diga que a vida é demais para
elas, que elas têm de enfrentar a dura realidade, que é o carma delas, que é o
pecado dos pais delas; tudo isso é bobagem. A felicidade criativa não tem valor
no mercado; não é uma mercadoria para ser vendida pelo melhor preço e é a única
coisa que pode existir para todos.
A felicidade criativa é concretizável? Ou seja,
a mente pode estar em contato com aquilo que é a fonte de toda a felicidade?
Essa abertura pode ser mantida apesar do conhecimento e da técnica, apesar da
educação e da afobação da vida? Ela pode, mas apenas quando o educador é
preparado para essa realidade, somente quando aquele que ensina está, ele
mesmo, em contato com a fonte da felicidade criativa. Então nosso problema não
é o aluno, a criança, mas o professor e o pai. A educação só é um circulo
vicioso quando não percebemos a importância, a necessidade essencial acima de
tudo mais, dessa suprema felicidade. Afinal, estar aberto à fonte de toda a
felicidade é a religião superior; mas, para concretizar essa felicidade, você
precisa dar a atenção correta a ela, como dá aos negócios. A profissão de
professor não é um simples trabalho rotineiro, mas a expressão da beleza e da
alegria, que não pode ser medida em termos de realizações e sucesso.
A luz da realidade e sua bem-aventurança são
destruídas quando a mente, que é o centro do ser, assume o controle. O
autoconhecimento é o início da sabedoria; sem autoconhecimento o aprendizado
conduz a ignorância, discórdia e tristeza.
(*) Um dos textos do livro:
Comentários sobre o viver. Breves textos – Volume 2 /Jiddu Krishnamurti.
Rio de Janeiro: Nova Era, 2009
Mas uma vez o tortuoso caminho a ser vencido. Procuro entender as observações de JK, mas como, no meu blog coloquei o princípio da dualidade e da contradição, que se resume nos paradoxos da vida. Mas JK extrapola tudo isso, vai mais além, suas concepções sobre a criatura humana são por demais abrangentes.
ResponderExcluir"A luz da realidade e sua bem-aventurança são destruídas quando a mente, que é o centro do ser, assume o controle."
Contraria vários pensadores, esse conceito é difícil de ser assimilado, necessita muita reflexão. Já conseguir conceber alguma coisa sobre esta frase?
Abraços,
Luiz Otávio
Luiz, boas noites!
ExcluirQuanto à questão que você coloca tenho dificuldade de respondê-la objetivamente. Isso se deve, até mesmo, a minha compreensão do conceito que você faz menção. Ou seja, nos conceitos que exigem maior profundidade em minhas reflexões, procuro deixá-los operar com a menor participação possível da mente. Quando assim consigo proceder, paradoxalmente, mesmo sem conseguir formular uma explicação clara do meu entendimento sobre determinado conceito, sinto-o fazendo parte das minhas ações.
Do que eu tenho lido das manifestações do JK, ele refuta, insistentemente, a possibilidade de manifestar alguma conclusão, algum "como", às questões que lhe são formuladas. Assim, eu sempre o leio sem esperar um modo, uma maneira, de obter das suas manifestações uma conclusão. Ele sempre procurar te conduzir a que você mesmo encontre a resposta para a questão que você formulou. Eu sei que parece complicado seguir as manifestações do JK. Se por um lado ele não responde diretamente nossos questionamentos, por outro ele nós conduz a pensar por nós mesmo e isso me deixa em um estado de contentamento. Como diz o bordão “Durma-se com uma bronca dessa”.
Um abração,
Roberto Lira