segunda-feira, 11 de abril de 2011

"A outra margem do rio"



Roberto Lira

Nós, seres humanos, em certa etapa da vida ou das vidas (para alguns) enveredamos a procura de um lugar onde a felicidade seja plena e permanente. Esse lugar que para alguns pode ser alcançada ainda em vida, enquanto que para outros só após morte, é mencionado com as mais variadas denominações. Para muitos ele é o céu ou paraíso, para outros o nirvana, ainda, para outros o mundo mental, transcendente ou metafísico, et cetera. Como a palavra não é a coisa, resolvemos chamá-lo de “a outra margem do rio”.
Frente à hipótese de que alguns seres alcançaram a outra margem do rio, não é nosso propósito contestar ou aceitar essa possibilidade. Também não é propósito desta escrevinhação desprezar os ismos ou métodos tradicionais que propõe tal realização. Nosso objetivo é estimular aqueles que estejam interessados em refletir e compartilhar suas compreensões sobre essa questão.
Para atingir a outra margem do rio, a humanidade foi criando ismos, filosofias e métodos que lhe oportunizasse alcançar esse almejado lugar. O anseio interior por este objetivo surge na consciência do ser humano, cedo ou tarde, por vezes de modo inexplicável. As questões que surgem nessa reflexão são: para aqueles cujas tentativas de chegar à outra margem do rio pelos caminhos da tradição foram infrutíferas, haverá algum outro modo diferente dos tradicionais a ser tentado?  Há alguma possibilidade de atingirmos a referida margem sem estarmos vinculado a instituições ou dependente de qualquer “autoridade”?
            O filósofo indiano Jiddu Krishnamurti (JK) palestrou por mais de meio século apresentando uma proposta inusitada para essa questão. Ele conduzia suas palestras convidando os seus ouvintes a encontrarem dentro de si mesmo os meios para esta realização.  Ele insistia na tese de que ao mantermos uma atenção passiva em nossos relacionamentos nosso cérebro/mente poderá sofrer uma transformação radical e assim estabelecer contato com a mente universal. Para ele essa atenção passiva se configura como uma atitude onde devemos excluir, nos nossos relacionamentos, qualquer imagem psicológica que tenhamos construído sobre o outro. Ou seja, devemos nos relacionar sem a lente obtida em experiências passadas, vendo o outro como ele se apresenta no momento presente, no aqui e agora.   Essa conduta proposta por JK está implícita nos estudos cibernéticos de segunda ordem, que trata da relação entre os sistemas observadores e os sistemas observados (ele é reconhecido como um dos pioneiros nessas investigações, embora não empregasse os temos dessa ciência).
            Baseado na proposição de JK, que sinteticamente é sustentada pela possibilidade de que nos mesmos e que devemos encontrar os meios para alcançar a outra margem do rio, introduzimos nesta reflexão a lembrança daquela brincadeira das “Olimpíadas do Faustão”, da rede Globo, chamada “Pedra Maldita” – onde o participante deve atravessar um rio (no caso uma piscina) pisando em várias pedras, tomando cuidado com as falsas, que afundam quando se pisa nelas. Essa brincadeira faz-nos lembrar de nossas frustradas tentativas, sempre pisando em pedras que se não são falsas até agora não nos levaram a alcançar a outra margem do rio.
            Associando a proposta de JK e a imagem das “Pedras Malditas”, surge-nos o analogismo que nossos relacionamentos são as pedras no leito do rio da vida, nas quais temos que nos apoiar para alcançar a outra margem do rio. Assim, devemos caminhar descobrindo como nos apoiar nas “pedras” e esse descobrimento dispensa a base das vivencias psicológicos já experimentadas com o outro. Ou seja, devemos observar cada ação/reação durante a relação como observamos o fluir dos ventos sobre a superfície da água, como observamos o ir e vir das ondas no mar, como observamos os redemoinhos e as corredeiras dos rios, situações onde os conceitos prévios são desnecessários e mais que isso as experiências passadas são um obstáculo para observar o fato real.
            Pensamos que essa nova abordagem talvez possa nos proporcionar insigths sobre esse almejado lugar, o que já seria uma grande realização. E quem sabe esses insigths possam nos levar, DE FATO, a alcançar a outra margem do rio??????
            Atenção!  Aqui e agora!

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Os relacionamentos



Roberto Lira

Partindo do pressuposto que o ser humano se constrói, fundamentalmente, a partir dos seus relacionamentos surge à questão norteadora desta escrevinhação: como nos relacionamos?
Antes, de mais nada, devemos esclarecer que a palavra relacionamento para nós é estar em contato, estabelecer relação com, não só fisicamente, presencialmente, mas também mentalmente. Desse modo, há relacionamentos entre pessoas: marido e mulher, pais e filhos, conhecidos e desconhecidos, amigos e inimigos, etc. e etc. Os relacionamentos podem ser superficiais ou profundos. Nestes, que entendemos como genuínos, as pessoas se encontram no mesmo nível, com a mesma intensidade, com a mesma energia, ou seja, há o que podemos chamar de um relacionamento real, verdadeiro. Há, também, os relacionamentos entre pessoas e objetos/animais, mas este tipo de relacionamento não vem ao caso no momento.
Seguindo a questão norteadora, como ocorrem os nossos relacionamentos? Eles se baseiam na memória que temos do outro, no conhecimento que adquirimos em relacionamentos anteriores? Ou seja, nossos relacionamentos se baseiam na imagem que formamos do outro e que os outros formam sobre nós?  Assim sendo, não seriam relacionamentos entre imagens e não entre os verdadeiros indivíduos?
Quando observarmos atentamente nossos relacionamentos, percebemos o surgimento de conflitos desnecessários e concordâncias injustificadas e/ou favorecidas.  Não seriam estes frutos de estarmos a nos relacionar através das imagens construídas no passado, às vezes boas outras vezes más, e não nas vivências reais, no presente, aqui e agora?
Essa nossa propensão de nos relacionarmos através de imagens, ou seja, de preconceitos (conceitos formados previamente) é muito mais intrincada do que parece. Vejamos: além da imagem que formamos do outro pela convivência ou por referências, acrescente-se a isso os rótulos divisionistas que nos damos. Sou brasileiro o outro é suíço, sou cristão o outro é muçulmano, sou pobre o outro é rico, sou erudito o outro é ignorante, sou corintiano o outro é palmeirense, sou petista o outro é tucano, etc. e etc. É natural que quando há divisão entre as pessoas há conflito. É possível nos relacionarmos sem conflito?  
Que tipo de ser humano estamos construindo (construção de nos mesmos) gestadas nos relacionamentos através das imagens? É possível olharmos para o outro como ele se apresenta a cada momento, ou seja, sem a interferência do passado? Desse modo, nossos relacionamentos seriam reais e não imaginários? De modo contrário, nos relacionando através da imaginação (capacidade de evocar imagens anteriormente percebidas), não estaríamos construindo um ser, também, imaginário?
Percebermo-nos, diretamente, nos nossos relacionamentos é o que estamos a refletir, tema que não deixa de ser uma continuidade da reflexão das nossas últimas escrevinhações (autoconhecimento). Nessa continuidade, o presente entendimento  é que para construirmos/reconstruirmos a nos mesmo é necessário, além da argila interior, própria, contarmos com o compartilhamento das reflexões sobre o tema para melhor prepararmos a argamassa que dará sustentabilidade à nossa construção.