quarta-feira, 16 de novembro de 2011

A corrupção e seus deslindes

Roberto Lira

Nos tempos atuais, a questão da corrupção tem sido a tônica dos noticiários em geral. Observamos, em relação à corrupção, que ela tem se propagado a níveis endêmicos em nossa civilização nos dias de hoje. A corrupção que grassa nos meios políticos e empresariais, quer seja em regimes democráticos ou ditatoriais, é alarmante e tem chamado a atenção da maioria de nós seres humanos. A “lei do Gerson”, onde todos querem levar vantagem em tudo é a bola da vez, ou melhor, é a grande jogada da vez.

Muito tem se discutido sobre os aspectos mais degradantes dessa nefasta manifestação da conduta humana, mas pouco se tem refletido sobre aspectos sutis dos atos de corrupção. Estes originados em nosso entendimento, especialmente, pelo condicionamento que determinadas crenças nos incutem. Salientamos que nesta reflexão, não é nossa intenção estabelecer nenhum preconceito sobre a conduta de quem quer que seja. Pretendemos apenas, mantendo a parte os procedimentos corruptos inquestionavelmente indecentes e inaceitáveis, dirigir nossa atenção para aquelas condutas que, mesmo aparentemente inocentes e/ou inconscientes, podem sutilmente conter o germe da corrupção. Para melhor delimitar esta reflexão, o termo corrupção deve ser entendido como: ato ou efeito de subornar alguém em causa própria ou alheia, e subornar como: dar ou oferecer algo a fim de conseguir alguma coisa imerecida.

Imaginemos a seguinte situação, corriqueiramente observada na conduta de várias das nossas famílias humanas: um pai zeloso frente à necessidade do filho fazer vestibular ou prestar concurso para conseguir um almejado emprego. Como um bom Cristão, roga a Deus em suas preces e/ou promessas para que Ele faça seu filho ser bem sucedido no seu empreendimento (por vezes, essa solicitação não é feita diretamente a Deus, e sim através de intermediários terrenos ou celestes).

Como “decidirá” Deus – Criador e Gestor das (incorruptíveis) Leis Universais – quem serão os escolhidos?  Serão “escolhidos” aqueles que se apresentam com o handicap das preces e promessas dos pais? Ou essa seleção é feita pelas Leis Universais baseada, exclusivamente, na aptidão intelectiva dos candidatos?

Nesse ato de solicitar a interferência de Deus para beneficiar o querido filho, sem se ater ao merecimento deste em relação aos outros concorrentes, como podemos classificar a conduta desses pais?  Certamente, nesse tipo de solicitação os pais não levam em conta, nas suas preces e promessas, que os merecedores das limitadas vagas em disputa devem ser daqueles que mais se esforçaram em sua capacitação para o vestibular ou concurso e chegaram mais capazes para a disputa, independente de ser seus filhos ou não.

É possível imaginar Deus favorecendo alguém, em atenção às suplicantes preces e mirabolantes promessas de um “humilde servo”?  Onde ficaria a Justiça Divina concedendo “graças” para uns em detrimento de outros para quem não houve rogos, mas que são merecedores do objetivo pretendido, por méritos próprios. A ação de pedir a interseção Divina, ofertando preces e/ou promessas, para que o filho seja favorecido na sua empreitada, não teria o germe da corrupção, mesmo que sutilmente? Ofertas e promessas a Deus para que Ele beneficie os seus ou a si próprio não seria uma tentativa de corrompê-Lo?

Pensamos que há situações em que os rogos a Deus, a Brahma, a Natureza, ou como o quisermos Chamá-lo não abrigariam o germe da corrupção. Por exemplo, entendemos que nas agruras que passamos em determinada doença, as preces dirigidas ao Absoluto para a melhora da saúde não estariam contaminadas pelo germe da corrupção. Desse modo, o beneficio pretendido não traria nenhum prejuízo a terceiros, portanto, compreensivelmente ético. Se, no entanto, estendermos essa reflexão para a tentativa de se conquistar a saúde por meio de promessas,  nesse caso ela (a promessa), ao nosso juízo, não teria a mesma ética da primeira situação. Pois, nos parece que teriam um sentido de “compra” – se eu conseguir isso, prometo te dar aquilo.

A reflexão ora suscitada é deveras delicada e merece todo comedimento.  Nem por isso devemos evitá-la, para não melindrar jovens e/ou adormecidas consciências. Pensamos ser necessário que o assunto corrupção não fique restrito ao lamaçal que grassa nas instituições públicas ou privadas, hoje tão difundido pela mídia ou comentados nos encontros sociais. Faz-se necessário mergulharmos em nosso interior para identificarmos, e se necessário erradicarmos, em nos mesmos, qualquer sinal por mais sutil que seja desse indesejável germe que tanto desqualifica o Ser que se diz humano.

A luta a ser desencadeada, ou melhor, esse “jogo” deve começar no nosso interior.