O Dr. Drauzio Varella, no texto intitulado “A
Intolerância religiosa”, nos leva a refletir sobre as crenças que substanciam
nossa cosmovisão, especialmente, quando confrontadas com as crenças alheias.
O texto foi publicado em http://drauziovarella.com.br/wiki-saude/intolerancia-religiosa/
e por julgá-lo relevante a referida reflexão é que o reproduzo abaixo.
“A Intolerância
Religiosa
Drauzio Varella
Sou ateu e mereço o mesmo respeito que tenho pelos
religiosos.
A humanidade inteira segue uma religião ou crê em
algum ser ou fenômeno transcendental que dê sentido à existência. Os que não
sentem necessidade de teorias para explicar a que viemos e para onde iremos são
tão poucos que parecem extraterrestres.
Dono de um cérebro com capacidade de processamento
de dados incomparável na escala animal, ao que tudo indica só o homem faz
conjecturas sobre o destino depois da morte. A possibilidade de que a última
batida do coração decrete o fim do espetáculo é aterradora. Do medo e do
inconformismo gerado por ela, nasce a tendência a acreditar que somos eternos,
caso único entre os seres vivos.
Todos os povos que deixaram registros manifestaram a
crença de que sobreviveriam à decomposição de seus corpos. Para atender esse
desejo, o imaginário humano criou uma infinidade de deuses e paraísos
celestiais.
Jamais faltaram, entretanto, mulheres e homens
avessos à interferências mágicas em assuntos terrenos. Perseguidos e
assassinados no passado, para eles a vida eterna não faz sentido. Não se trata
de opção ideológica: o ateu não acredita simplesmente porque não consegue. O
mesmo mecanismo intelectual que leva alguém a crer leva outro a desacreditar.
Os religiosos que têm dificuldade para entender
como alguém pode discordar de sua cosmovisão, devem pensar que eles também são
ateus quando confrontados com crenças alheias.
Que sentido tem para um protestante a reverência
que o hindu faz diante da estátua de uma vaca dourada? Ou a oração do muçulmano
voltado para Meca? Ou o espírita que afirma ser a reencarnação de Alexandre, o
Grande? Para hindus, muçulmanos e espíritas esse cristão não seria ateu?
Na realidade, a religião do próximo não passa de um
amontoado de falsidades e superstições. Não é o que pensa o evangélico na
encruzilhada, quando vê as velas e o galo preto? Ou o judeu quando encontra um
católico ajoelhado aos pés da virgem imaculada que teria dado à luz ao filho do
Senhor? Ou o politeísta, ao ouvir que não há milhares, mas um único Deus?
Quantas tragédias foram desencadeadas pela
intolerância dos que não admitem princípios religiosos diferentes dos seus?
Quantos acusados de hereges ou infiéis perderam a vida?
O ateu desperta a ira dos fanáticos, porque
aceitá-lo como ser pensante obriga-os a questionar suas próprias convicções.
Não é outra a razão que os fez apropriar-se indevidamente das melhores
qualidades humanas e atribuir as demais às tentações do diabo. Generosidade,
solidariedade, compaixão e amor ao próximo constituem reserva de mercado dos
tementes a Deus, embora em nome d’Ele sejam cometidas as piores atrocidades.
Os pastores milagreiros da TV, que tomam dinheiro
dos pobres, são tolerados porque o fazem em nome de Cristo. O menino que explode
com a bomba no supermercado desperta admiração entre seus pares, porque
obedeceria aos desígnios do Profeta. Fossem ateus seriam considerados
mensageiros de satanás.
Ajudamos um estranho caído na rua, damos gorjetas
em restaurantes nos quais nunca voltaremos e fazemos doações para crianças
desconhecidas, não para agradar a Deus, mas porque cooperação mútua e altruísmo
recíproco fazem parte do repertório comportamental não apenas do homem, mas de
gorilas, hienas, leoas, formigas e muitos outros, como demonstraram os
etologistas.
O fervor religioso é uma arma assustadora, sempre
disposta a disparar contra os que pensam de modo diverso. Em vez de unir, ele
divide a sociedade — quando não semeia o ódio que leva às perseguições e aos
massacres.
Para o crente, os ateus são desprezíveis,
desprovidos de princípios morais, materialistas, incapazes de um gesto de
compaixão, preconceito que explica por que tantos fingem crer no que julgam
absurdo.
Fui educado para respeitar as crenças de todos, por
mais bizarras que a mim pareçam. Se a religião ajuda uma pessoa a enfrentar
suas contradições existenciais, seja bem-vinda, desde que não a torne
intolerante, autoritária ou violenta.
Quanto
aos religiosos, leitor, não os considero iluminados nem crédulos, superiores ou
inferiores, os anos me ensinaram a julgar os homens por suas ações, não pelas
convicções que apregoam.”