quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O Jogo Interior: 2º tempo


Roberto Lira

Na pausa realizada para organizar as idéias, com o intuito de continuarmos os comentários sobre o Jogo Interior, recebemos algumas mensagens, de amigos palaneses, as quais se tornaram oportunos “nutrientes” para a continuidade desta escrevinhação.
Encerramos o primeiro tempo do Jogo Interior reiterando a necessidade de aprendermos a arte de perceber esse Jogo e que isso requer uma mente não dicotômica, transparente e serena! Sem pretendermos indicar um “como” essa aprendizagem ocorre, vamos apenas destacar alguns aspectos a serem refletidos.    
Pensamos que tranquilizar a mente pode ser o começo dessa aprendizagem. Uma mente calma, sem o alvoroço e o rebuliço provocados por memes/pensamentos de aflição, de angústia, de incertezas e de medos, permite nos prepararmos para agir adequadamente nas vivências.  Preocupações com o passado, que já não pode mais ser mudado, ansiedades frente às incertezas do futuro não nos permite viver no aqui e no agora, onde de fato as coisas são vividas. Referente a esse passado e futuro, Gallwey assinala que “os fantasmas do passado e os monstros do futuro desaparecem quando toda a energia consciente é empregada para compreender o presente”.
Outro ponto a ser considerado é o aqui e o agora. Observamos que os memes/pensamentos, que configuram cada ego e presidem o seu viver, estão sempre a afastar o ser humano do aqui e do agora. Entendemos que o “senhor” ego, por viver apegado as coisas e querendo controlar todas as situações, é o responsável por nossa insatisfação, por nossa infelicidade e por tudo o que nos impede de atravessarmos para a “outra margem do rio”. Desse modo, surge a questão:  
Como neutralizar a ação do ego no Jogo Interior?
Para Gallwey, o caminho é simplesmente “deixar acontecer”, que ele traduz como “espontaneidade”. Essa espontaneidade é a essência do eu, que atua sem se importar com os resultados das suas ações. Para ilustrar sua indicação, Gallwey recorre à linguagem do carma ioga, onde isso é chamado de “ação sem ligação com os frutos da ação”. Ele lembra que “ironicamente, quando esse estado é alcançado, os resultados obtidos são os melhores possíveis”.  
Edgar Morin, grande pensador contemporâneo, pai da teoria da complexidade, nos adverte que “ninguém pode escapar de modo total e definitivo da histeria egocêntrica, mas cada um pode estar consciente de que ela existe e, a partir daí, começar a questioná-la. O pensamento complexo facilita a auto-observação, que facilita o autoconhecimento que facilita o pensamento complexo. É por isso que se diz que os pontos de alavancagem do sistema humano podem ser localizados e trabalhados por meio da observação do ego, que é a parte mais frágil do conjunto.” (Paixões do Ego, de Humberto Mariotti, 2000)
Com a mente serenada e vivendo no aqui e no agora, pensamos que a mente do ser humano pode se tornar transparente para si mesma. Transparente no sentido de poder ver as coisas como elas são verdadeiramente. Nessa situação, não estaríamos vivendo o Jogo Interior com a nossa própria essência?  Não estaríamos de fato conhecendo a nos mesmos? Não estaríamos na “outra margem do rio”?
No dizer de Gallwey “Quando se encontra o próprio caminho para a experiência direta, quando se pode realmente encarar a essência da vida, então ter-se á atingido o primeiro – mas não o último – objetivo do Jogo Interior”.
E qual seria esse último objetivo do Jogo Interior? Para Gallwey esse objetivo é descobrir o que ele chama de o EGO 3 (particularmente, entendemos o EGO 3 como o “Eu” com “E” maiúsculo. Diferenciando-o, assim, do “eu” com “e” minúsculo). Penso que há muitos caminhos que nos possibilita depararmo-nos com esse Eu, com essa Imensidão, com essa Coisa que não precisa de um nome para ser descoberta. Caminhos há muitos! Nem imaginamos quantos! Cabe a cada um escolher o seu. E, para esse caminhar, consentimos com Gallwey quando ele afirma que para essa realização “O único instrumento necessário é o corpo humano em si, no qual esteja presente a consciência de si mesmo”, e acrescenta que “a procura é interior”.

Obs.: O 10º capítulo do livro “O Jogo Interior de Tênis”, de Timothy Gallwey, intitulado “O Jogo Interior fora da quadra”, está disponível no link Coletânea.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

O Jogo Interior

Roberto Lira


            Esta escrevinhação foi instigada pelas concepções de Thimothy Gallwey*, expostas no seu livro ‘O Jogo Interior de Tênis’. Por ser um apaixonado pelo jogo de tênis, este livro foi e continua sendo um dos meus livros de cabeceira. Nos seus dez capítulos, somente um deles é dedicado aos golpes básicos do tênis. A proposta do livro não é dedicada à técnica para jogar tênis, mas sim explorar o ilimitado potencial que existe dentro de cada um de nós, independentemente de sermos jogadores de tênis, de outro esporte, ou não. Pensamos que a leitura desse livro será gratificante para todos aqueles que já perceberam, ou ao lê-lo perceberão, que os nossos relacionamentos são jogos que se desenrolam não só no exterior, mas especialmente no interior de cada ser humano. O Jogo Interior que passamos a comentar pode ocorrer numa quadra de tênis, no trabalho, no lar ou em qualquer outro lugar.
Este primeiro tempo do Jogo Interior poderia, também, ser chamado de Peleia entre o ego e o eu. Antes de iniciarmos nossos comentários são necessários alguns esclarecimentos preliminares: 1º) o observador pioneiro do ‘O Jogo Interior de Tênis’, Thimothy Gallwey, denomina os dois contendores nos jogos que ele narra de EGO 1 e o EGO 2; 2º) nesta escrevinhação, O Jogo Interior, os contendores serão chamados de o ego e o eu; 3º) como a palavra não é coisa (jogadores), vamos tirar os “elmos” desses contendores e mostrar suas verdadeiras faces: de um lado, no externo do ser, encontra-se o “garboso” jogador, o “senhor” ego, que se esmera em apresentar sua face aos outros como real, mas que, na verdade, é por vezes muito diferente da verdadeira; no outro lado, no interno do ser, encontra-se um atleta verdadeiro, o eu, a antítese do contendor exterior e por ser verdadeiro o eu nunca cria uma imagem fictícia de si mesmo, ele é!
            O “senhor” ego preocupa-se demasiadamente com o resultado de suas ações e como elas podem refletir sua auto-imagem em qualquer de suas jogadas. Quando na realidade deveria descartar o auto-julgamento, a preocupação em mostrar qualidades e/ou posses físicas e materiais e se ocupar em aprender a arte da concentração, ou melhor, a arte da percepção. Essa arte é de grande utilidade em todos os aspectos da vida e o seu desenvolvimento permite, de fato, observarmos o Jogo Interior. O desenvolvimento dessa aptidão faz com que um jogador primário do jogo exterior transforme-se em um competente jogador do Jogo Interior. Ou seja, um jogador pouco consciente de si mesmo, passa a alcançar novos e mais elevados níveis de autoconsciência.
            Já deixamos claro que nas vivências humanas podemos observar dois tipos de jogo: um, o jogo exterior; o outro, o Jogo Interior. É necessário percebermos que tanto o Jogo Interior como o jogo exterior desenvolvem-se simultaneamente e que os grandes e verdadeiros jogadores são aqueles que sabem escolher qual desses jogos deve merecer seu empenho prioritariamente, ou até mesmo exclusivamente.
            Nos jogos que vivenciamos, existem muitos obstáculos a serem vencidos, sejam quais forem nossos objetivos de vida. É no mesmo espaço mental que o ego e o eu desenvolvem suas peleias. Algumas vezes um contra o outro, outras vezes cada um por si contra os obstáculos externos e/ou internos. Geralmente, nas peleias para alcançarmos nossos objetivos externos além dos obstáculos impostos pelo ambiente ou por outros, acrescentamos dificuldades desnecessárias, em geral gestadas interiormente, tais como preocupações, incompreensões, apego exagerado aos próprios interesses a despeito dos de outrem, arrependimentos, etc. Essas dificuldades originadas no interior do ser têm como gestor o “senhor” ego.
            Reiteramos a necessidade de aprendermos a arte de perceber o Jogo Interior, acrescentamos ser necessário que o comandante das ações seja o eu e que essas se desenvolvam sem a interferência do “senhor” ego. Isso requer uma mente não dicotômica, transparente e serena!
Por hora, o comentarista faz uma pausa para organizar suas idéias e também para não cansar os expectadores. Voltaremos assim que possível para comentarmos o segundo tempo deste Jogo Interior.

  * Thimothy Gallwey, foi um estudioso de Harward¸ autor do best-seller The Inner Game of Tennis e The Inner Game of Golf, especialista em tênis. O mundo corporativo deve a Gallwey a introdução do conceito tradicional de Coach (profissional capacitado para ensinar, treinar, dar dicas no processo de desenvolvimento do indivíduo – Coaching é o processo em si). O Coaching parte da premissa básica que o próprio indivíduo é capaz de encontrar a melhor resposta aos seus questionamentos, pois ele possui todos os recursos internos necessários para o seu auto-desenvolvimento.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Vivendo e aprendendo



Roberto Lira

            O título deste texto, “vivendo e aprendendo”, nos remete ao velho e conhecido ditado que, geralmente, interpretamos como um processo de extrair uma lição para aplicá-la em nossa vida cotidiana ou o acúmulo de conhecimento especializado para a prática profissional. Não é esse o sentido que queremos contextualizar o Vivendo e aprendendo.
            A aquisição cumulativa de conhecimento especializado, ou não, é o que garante o nosso sustento, a nossa sobrevivência física. Pode, ainda, nos safar de situações cotidianas que por vezes nos trazem tantos transtornos. Qualquer uma dessas aquisições é imprescindível para o ser humano.  Mas, se examinamos acuradamente esse processo, onde se adiciona cada vez mais conhecimento, podemos perceber que isso não é viver aprendendo, é ter aprendido, é passado, é memória, não é viver no aqui e agora. E é para viver no aqui e agora que estamos nos propondo a contextualizar o Vivendo e aprendendo.
            Por que o viver aprendendo, sem a bagagem do conhecido, pode ser importante para nossas vidas?
Ao valorizarmos indiscriminadamente o acúmulo de conhecimento, levando em conta a era digital que vivemos, com certeza, vamos levar o maior baile frente aos computadores. Estes têm capacidade de acumular muito mais conhecimento, em muitíssimo menos tempo, que qualquer mente humana. É só darmos algumas tecladinhas e está tudo ali, à nossa disposição. Por que sobrecarregar a nossa mente além do necessário?
A mente que se acha livre do conhecido, torna-se uma mente renovada, receptiva, criadora. De modo contrário, quando a mente está abarrotada de memes/pensamentos, por bons e construtivos que sejam estes, não sobra espaço para insigths, para O Desconhecido, para Aquela Luminosidade. Se desejarmos conquistar essas possibilidades é necessário mantermos um ambiente mental limpo, livre, despoluído, inocente. Ao vivermos aprendendo a cada instante, no aqui e agora, não necessitamos dar nomes as coisas, traduzirmos as vivencias com o já conhecido ou nos apegarmos às nossas descobertas, nada disso é necessário. Para observarmos e compreendermos nosso viver, para conhecermos a nos mesmos, não precisamos de uma mente que funciona de modo mecânico, sobrecarregada de conhecimentos, repleta de imagens já vividas que só embotam a percepção do aqui e agora.  
É claro que há momentos que precisamos viver mecanicamente. Precisamos saber onde moramos, ter conhecimentos para ganhar o sustento de cada dia, devemos lembrar-nos de quem apanhamos ou em quem batemos, para não continuar apanhando ou batendo, etc., etc., etc. Isto não está em discussão. O que estamos falando é que para alcançarmos a outra margem do rio e para que Aquela Imensidão nos alcance, devemos deixar a nossa bagagem, nossos condicionamentos, no lado desbarrancado da vida e atravessarmos a correnteza livre, leve e solto.  
Estas reflexões vieram à tona sem a necessidade de memorizar, nem inculcar nenhum ensinamento. Fomos atrás de ensinamentos na grande “memória” digital, achamos, refletimos, escrevemos sobre ele e colamos (abaixo). Se no futuro nos depararmos novamente com este mesmo ensinamento, vamos procurar compreendê-lo e experimentá-lo como se o tivéssemos encontrado pela primeira vez. Será que conseguiremos? Não sei.
 Há, portanto, uma diferença entre a aquisição de conhecimento e o ato de aprender. É preciso ter conhecimento; do contrário, não vamos saber onde moramos, vamos nos esquecer do nosso próprio nome, etc. Logo, num dado nível, o conhecimento é imprescindível. Mas quando ele é empregado para compreender a vida – que é um movimento, uma coisa viva, móvel, dinâmica, que se altera a cada instante –, quando a pessoa é incapaz de caminhar com a vida, ela vive no passado e tenta compreender essa coisa extraordinária chamada vida. E para compreender a vida, é preciso aprender a cada minuto sobre ela e nunca abordá-la já tendo aprendido” (Jidu Krishnamurti)
E para não perdermos a viagem, vamos seguindo com o cancioneiro popular:
            Eu já estou com o pé nessa estrada
            Qualquer dia a gente se vê
            Sei que nada será como antes amanhã...

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Conhecimento, crenças e opiniões (revisitado)

 
Roberto Lira

Quando penso em escrevinhar algo nutrido pela leitura de “cachorrões” (no bom sentido – grandes cientistas, é claro), fico receoso/intimidado com as minhas manifestações pela diferença de tamanho. Latido de “cachorrões” impressiona, impõe. Latido de cachorrinho, por vezes, aborrece. Mas, como, para aprender a latir é preciso começar de filhote, vou dar minhas latidinhas.
Hoje volto a um texto escrevinhado em julho do ano passado, publicado no blog da CIT (leia aqui). Essa revisitação foi estimulada por um lado pela leitura, na última semana, de um post no blog micro/macro – Marcelo Gleiser (leia aqui), e por outro pelas reflexões que tinha feito há quase um ano atrás.
No texto do Gleiser, ele começa tratando sobre a utilização do mito para explicar/justificar algo e segue com: o dilema dos crentes frente à ciência e as religiões; a inviabilidade da estratégia de alguns ateus radicais de decretar guerra à fé; a sua opção pelo agnosticismo; e por fim manifesta que: “Apesar de o natural e o sobrenatural serem irreconciliáveis, é possível ser uma pessoa espiritualizada e cética”. 
No texto escrevinhado ano passado, eu me refiro à utilização das fábulas para entender/apreender as coisas com as quais nos relacionamos; a confusão que por vezes fazemos confundido crença com conhecimento; levanto questões sobre o porquê dos seres humanos engajam-se em ideologias tão distintas e por vezes ilógicas; em seguida, tento extrair resposta para as questões levantadas, nos escritos de Gustave Le Bon – “As opiniões e as Crenças” –; e finalmente concluo que, levando em conta as teorias de Le Bon, não podemos subestimar o poder das crenças quando confrontada com a razão.
Nesta revisitação ao texto Conhecimento, Crenças e Opiniões, não mudei o foco do meu interesse em relação ao já escrevinhado. Ou seja, não questiono o “como” conciliar crença e conhecimento, permaneço interessado no “por que” dessa polarização aparentemente irreconciliável entre conhecimento e crença, entre ciência e religião.  Já estou advertido que questões do tipo “por que” podem não ser científicas. Como não sou cientista (“cachorrão”), sou apenas um “cachorrinho” aprendendo a latir, vou continuar querendo saber o “por que”, é lógico, desde que este seja baseado em racionalidades. E o porquê (razão, e não propósito) da improvável, mas não impossível reconciliação entre ciência e religião, para mim, continuam válidas as explicações apresentadas pelo Gustave Le Bon, no livro III que trata das Diversas Formas de Lógica que Regem as Opiniões e as Crenças, de sua obra: "As Opiniões e as Crenças" (disponível no link Livros).

Ainda, continuo agnóstico (qualquer dia vou dar uma latidinha neste tema), consinto com Glaser que é possível ser uma pessoa espiritualizada e cética e, também, consinto com o Einstein quando ele dizia “a busca pelo conhecimento científico é, em essência, religiosa. Essa religião é bem diferente da dos ortodoxos, mas nos remete ao mesmo lugar, o cosmo de onde viemos, seja lá qual o nome que lhe damos”.
Atenção! Aqui e agora! Atenção religiosos, Shanti! Shanti!
Atenção! Aqui e agora! Atenção cientistas, Karuna! Karuna!

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O observador e a coisa observada



Roberto Lira

O observador e o observado é um tema que sempre atraiu nosso interesse. Sei que a minha compreensão sobre o assunto é ainda muito limitada. Mas, tendo em vista que o pouco compreendido tem sido de grande valia no processo de conhecer a mim mesmo, vou ousar escrevinhar algo sobre o tema.
Cientistas, filósofos e grandes pensadores têm reiterado essa intrigante afirmação de que o observador é a coisa observada. Esta asserção nos coloca diante das seguintes questões: O que observo em mim que é o meu eu?  E o que observo que não é?
Principiamos conceituando o que é o eu. Para desenvolver esta reflexão definiremos o eu como uma estrutura composta por um soma e uma psique. Se dirigirmos nossa observação para a parte somática do eu, entendemos que sem dúvida ela é parte integrante da estrutura do eu. É a parte física do nosso eu. Assim sendo, não há necessidade de maiores considerações sobre esse lado da questão.
Na psique, entre outras coisas, podemos observar nossas capacidades/faculdades, tais como a faculdade de entender, de compreender, de refletir, de pensar, de sentir, etc. Ao observarmos a atuação dessas capacidades/faculdades podemos, sucintamente, concluir que são parte da estrutura do eu? Compreendemos que sim. E por quê?  Porque ninguém reflexiona com a faculdade de refletir de outrem. Podemos até manifestar uma reflexão de outra pessoa, mas não refletimos com a faculdade alheia. E, sem dúvida, esta compreensão é extensiva as demais capacidades/faculdades.
Também encontramos na psique pensamentos e sentimentos. E quanto a estes, ao observarmos suas ações, o que podemos concluir? Eles integram a estrutura do eu que está se observando? Ou eles são apenas um apêndice na mente do auto-observador e não propriamente uma parte estrutural do eu? Os pensamentos e os sentimentos continuam sendo, para nós, parte crucial na compreensão da afirmação de que o observador é a coisa observada.
Vamos tentar esmiuçar um pouco mais a questão dos pensamentos e dos sentimentos observados em nós mesmos. Quando experimentamos uma manifestação de raiva, de inveja ou de compaixão, por exemplo, como essa ação é percebida? É uma manifestação da estrutura do próprio eu ou é algo que está ali (na psique) a disposição desse eu? Ou seja, nós somos essa raiva, nós somos essa inveja, nós somos essa compaixão, ou elas são algo do não eu?  Compreender essa questão julgamos ser de grande valia quando pensamos em nos superarmos. Assim, para deixarmos de ser ou para sermos algo que ainda não somos, é necessário enfrentarmos essa questão. E esse enfrentamento, pensamos que requer ações diferentes para as hipóteses apresentadas.
Sabemos que estes questionamentos não são fáceis de aclarar. Mas, possivelmente, devemos começar por reconhecer qual a nossa visão de mundo. No dizer de Humberto Mariotti: “O mundo em que vivemos é o que construímos a partir de nossas percepções. Por conseguinte, nosso mundo é a nossa visão de mundo. Se a realidade que percebemos depende da nossa estrutura – que é individual –, existem tantas realidades quantas pessoas percebedoras”.
Desse modo, se a visão de mundo do observador é a do Universo cartesiano, onde este (observador) não passa de um mero figurante, é claro que os pensamentos e os sentimentos serão compreendidos como algo do não eu. De outro modo, se a visão de mundo do observador tem por base as novas teorias da física moderna (as teorias quânticas), então os pensamentos e os sentimentos serão compreendidos como algo próprio do eu. Ou seja, o observador não é separado daquilo que observa.
Ufa! Vou me deitar aqui numa rede na “Ilha de Pala” e aguardar as compreensões dos palaneses. Enquanto isso, para amainar o abrasamento nos poucos neurônios que eu ainda não cedi para o alemão (Alzheimer), fico ancorado nos dizeres do Marcelo Gleiser:
– “Teorias surgem quando as existentes não explicam novas descobertas.”...aprendemos que é loucura levar nossa visão de mundo muito a sério, pois sem dúvida ela vai mudar. É bom tomarmos nossas certezas com muita humildade”.
Atenção! Aqui é agora!
Atenção para a auto-observação!...


sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O mestre e o discípulo



Roberto Lira

 Preferimos elogiar as palavras dos mestres espirituais sem aplicá-las a nosso ser profundo, que continua sendo um território escuro e inexplorado.
Jorge Blaschke

O Mestre e o discípulo. Esse é um tema que, como se diz o ditado, dá pano pra manga. E, para o “pano” ser costurado na “manga” própria, vou restringi-lo às filosofias espiritualistas orientais. Essa restrição se deve ao fato de que a decorrente reflexão se originou com a leitura do livro Além de Osho, do escritor Jorge Blaschke, que é uma compilação do pensamento de alguns mestres espirituais do Oriente, com maior ênfase nos ensinamentos do Osho. O foco será dirigido para o segundo capítulo do referido livro que tem por título: O mestre e o discípulo, mesmo título dado ao texto (o capítulo está disponível no link Coletânea). Desse modo, propositadamente, fica ausente desta escrevinhação os mestres e o discípulos das tradicionais religiões ocidentais.
Nesta escrevinhação os termos mestre, mestre de sabedoria, ou mestre espiritual, serão usados como sinônimos. Assim como os termos discípulo, seguidor das idéias/dos conselhos/dos ensinamentos terão o mesmo significado.
Penso que aqueles que procuram superar a sua limitada condição humana já se envolveram ou se envolverão com algum mestre espiritual, em algum momento de suas jornadas, salvo raras exceções. As razões para que esse envolvimento ocorra, ou não, podem ser as mais diversas. Não vem a propósito, no momento, especificar essas razões. Julgo que o importante é que estas  sejam fruto de meditadas reflexões.
Ao agregar parte do conteúdo do capítulo acima mencionado, o faremos sem seguir a ordenação disposta naquele capítulo. Assim, começamos com o um provérbio sufista que trata da aproximação do discípulo ao mestre:
 “O perigo do mestre é que, se nos aproximamos muito, nos queimamos; se nos afastamos não recebemos calor.”

O conceito sintetizado neste provérbio é uma realidade para muitos que já tiveram a oportunidade de se envolverem com algum mestre espiritual e uma orientação prudente para aqueles que poderão vir a se envolver.
Ao ampliarmos nossa compreensão sobre a relação mestre-discípulo, podemos perceber que na realidade existem dois mestres: o mestre exterior – aquele que adotamos por empatia e/ou afinidade com seus ensinamentos; e o mestre interior – que é o próprio eu.  Compreender que o mestre exterior é apenas um guia que pode nos ajudar a conhecermos a nos mesmos e isto é essencial para que o mestre interior assuma o papel que lhe é reservado. O verdadeiro mestre exterior sempre pauta seus ensinamentos na necessidade do discípulo conhecer a si mesmo. Acrescente-se a isto, a preocupação do mestre para que o discípulo não se torne um eterno dependente dos seus ensinamentos, ou seja, que ele possa caminhar por si só.  Jiddu Krishnamurti, um verdadeiro mestre de sabedoria, torna evidente esse conceito quando manifesta:
“Estou apenas a ser como um espelho da vossa vida, na qual podeis ver-vos como sois. Depois, podeis deitar fora o espelho; o espelho não é importante.”

Para Blaschke, “O verdadeiro mestre é aquele que não precisa demonstrar nada, é um ser que já se transformou em algo superior. Para ele, é indiferente que acreditem nele ou não; ele se limita a transmitir seus conhecimentos...”. Krishnamurti ratifica este conceito quando manifesta que se o que ele exprime é útil quem quiser pode levar consigo, senão pode esquecer. Para exaltar essas compreensões a manifestação de Jean Klein é exemplar:
 Um mestre é alguém que vive livre da idéia ou imagem de ser alguém. É alguém que não pede nada, que apenas dá. Um verdadeiro mestre, nem considera seu discípulo como discípulo. Quando nenhum dos dois se considera algo, pode haver um encontro, uma unidade. E nessa unidade é realizada a transmissão.”

Shanti!   Shanti!   Shanti!

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Ser ou não ser...

  • Roberto Lira
 
Ser ou não ser, eis a questão’!
– A famosa frase de Shakespeare, na tragédia de Hamlet, serviu apenas de mote para o desenvolvimento deste texto. A questão que de fato queremos apresentar para a presente reflexão é: Ser ou não ser membro de uma organização de natureza espiritual?  O que suscitou esse questionamento foi o discurso ‘Dissolução da Ordem da Estrela’, proferido por Jiddu Krishnamurti, em 1929.
Antes de consideramos o mérito da questão, julgo oportuno termos uma visão, mesmo que superficial, da trajetória inicial desse proeminente pensador do último século, Jiddu Krishnamurti.
Krishnamurti nasceu, numa pequena vila ao sul da Índia, em 11 de maio de 1896. Ainda na adolescência, foi “descoberto” por dirigentes da Sociedade Teosófica e em seguida “adotado” pela Dra. Annie Besant, então presidente dessa sociedade. Levado a Londres, onde passou a ser aparelhado físico, intelectual e espiritualmente (do ponto de vista teosófico), para ser o veículo do aguardado “Instrutor do Mundo”, previsto pelos teosofistas para aquela época. Visando preparar o mundo para esse advento, foi criada a organização internacional ‘Ordem da Estrela do Oriente’, na qual Krishnamurti foi conduzido à líder. Até por volta de 1925, o jovem “Instrutor do Mundo” permaneceu fiel aos desígnios que lhe foram impostos. A partir de então, seus seguidores começaram a perceber que ele já não estava mais ajustado ao padrão esperado por seus tutores. Suas manifestações não continham as esperadas fórmulas e/ou esquemas, a serem dadas pela figura de um messias. Começou a insistir que o ser humano não devia se submeter a nenhuma autoridade, a não ser à sua própria consciência. O quê eram, para os olhos de muitos, coisas “assustadoras”. Para culminar essa nova fase, em agosto de 1929, na abertura do Acampamento Anual da Ordem da Estrela, em Ommem, Holanda, diante de mais de 3.000 membros e de muitos ouvintes, das rádios que transmitiam o evento, Krishnamurti renunciou ao papel de messias que lhe fora destinado. Dissolveu a Ordem que já somava milhares de seguidores, devolveu todo o dinheiro e as propriedades que foram doadas para dar sustentação à missão que lhe era destinada.
No discurso proferido na dissolução da Ordem da Estrela (o texto completo está disponível no link Coletânea), entre outras, Krishnamurti faz as seguintes afirmações:
  •     Eu afirmo que a Verdade é uma terra sem caminhos, e vocês não podem alcançá-la por nenhum caminho, qualquer que seja, por nenhuma religião, por nenhuma seita.
  •     A Verdade, sendo ilimitada, incondicionada, inacessível, por qualquer caminho que seja, não pode ser organizada; nem pode qualquer organização ser constituída para conduzir ou coagir pessoas para qualquer senda particular.
  •     Eu sustento que nenhuma organização pode conduzir o homem a espiritualidade. Se uma organização for criada com esse propósito, ela se transforma numa muleta, um ponto franco, uma dependência, incapacita o indivíduo, e o impede de crescer...
  •    Organizações não podem torná-los livres. Nenhum homem de fora pode torná-los livres; nem pode o culto organizado, nem a imolação de vocês mesmos por uma causa os torna livres;
  •      Vocês têm a idéia de que somente determinadas pessoas possuem a chave do Reino da Felicidade. Ninguém a possui. Ninguém tem a autoridade para possuir tal chave. Essa chave é seu próprio eu, e no desenvolvimento e na purificação e na incorruptibilidade desse eu particular está o Reino da Eternidade.
  •     Vocês podem formar outras organizações e esperar por outra pessoa. Não estou preocupado com isso, nem com a criação de novas prisões, novas ornamentações para esses cárceres. Meu único interesse é tornar o ser humano absolutamente, incondicionalmente livre.
Ao ler pela primeira vez o discurso ‘Dissolução da Ordem da Estrela’, minhas esperanças nas organizações de natureza espiritual foram diminuídas. Uma luz de alerta foi acesa.  Enxerguei que algumas dessas instituições são sérias e bem intencionadas. Mas hoje, não sei se isso é o suficiente para uma vinculação. Após várias releituras que fiz ao referido discurso, seguida de meditadas reflexões, minha consciência foi intransigente e me impôs o veredito:
Suas caminhadas de agora em diante serão realizadas fora das organizações de natureza espiritual.
            Que seja feita à sua Vontade (dela, consciência)!
            Shanti! Shanti! Shanti!
Adendo:
Krishnamurti seguiu sua jornada, percorrendo quase todo o mundo (inclusive o Brasil – sua 1ª palestra no Rio de Janeiro, também, está disponível no link Coletânea), difundindo seus ensinamentos em palestras e livros (editados a partir dessas palestras), o qual condiciona a almejada felicidade ao conhecimento de si mesmo. Abominando o nacionalismo e não pertencendo a nenhuma seita, organização religiosa, política ou vertente ideológica, afirmava que essas instituições eram os verdadeiros fatores que contribuíam para os conflitos e as guerras.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Na "Ilha de Pala"

Roberto Lira
Este é o weblog Ilha de Pala.
Esta não é uma ilha proibida, destinada ao isolamento. Pelo contrário, é uma ilha de livre trânsito para quem possui um “passaporte especial”. Para aportá-la, o visto é concedido a todas as mentes abertas, sem preconceitos, propensas ao diálogo e ao compartilhamento de Idéias, Reflexões e Utopias.
Aldous Huxley, em sua última obra, compartilhou com a humanidade sua grande utopia ‘A Ilha’. Na imaginária Ilha de Pala, reuniu o que pensava haver de melhor no Mundo Oriental e no Mundo Ocidental. Sua descrição imaginativa retrata uma sociedade fundamentada e comprometida com o bem-estar do ser humano e harmonia deste com a Natureza.
Nada é mais inspirador para arquitetar uma idéia do que uma grande utopia, e o livro ‘A Ilha’ é para mim uma grande e maravilhosa utopia. Nele, a inspiração visionária de Huxley nos leva a acreditar que é possível a existência de um mundo melhor.
Um mundo onde:
  •      não existem “rebanhos de carneiros” nem pastores para tosquiá-los e castrá-los;
  •      a espiritualização do ser humano não seja um embuste maniqueísta;
  •      a educação privilegie o humanismo antidogmático e o autoconhecimento;
  •     as experiências transcendentais sejam cultivadas ao lado de sistemático ceticismo;
  •     associações voluntárias de homens e mulheres busquem uma humanidade integral;
  •      o Ascetismo e o Hedonismo sejam considerados uma doença a ser tratada;
  •      o fortalecimento do ego é uma epidemia a ser controlada;
  •      a destruição desmedida da natureza seja evitada;
  •     ‘Shanti’ e ‘karuna’ sejam, de fato, uma realidade;
  •      etc... etc... etc...
Este weblog inicia sua vida disponibilizando (no link Livros), aos interessados em percorrer suas diversas trilhas, o livro ‘A Ilha’, de Aldous Huxley.
O administrador deste weblog, um perseverante sonhador, sente-se honrado e feliz em dividir este espaço com todos aqueles que perseveram na utopia de construir um mundo melhor. Imagine um mundo melhor. Pessoas vivendo aqui e agora, ‘compartilhando todo o mundo’, como imaginou John Lennon. Não sonhe sozinho, juntemo-nos para compartilhar nossos sonhos, nossas idéias, nossas reflexões.
 Eu tenho a esperança de que um dia... o mundo será como um só.’
‘Atenção! Aqui e agora!’...