No momento em que a voz das ruas se manifesta de forma veemente sobre
mais educação, penso ser muito oportuno repercutir o texto “É hora da educação”,
do Marcelo Gleiser, publicado neste último domingo, 23/06/2013, na Folha de São
Paulo. Esse texto expressa com propriedade, e de forma mais inteligível do sou
capaz, o meu pensar e sentir sobre a questão da educação.
Marcelo Gleiser:
“O Brasil acordou!" é
o que temos ouvido, mesmo daqui dos EUA, sobre as manifestações no país. A
mídia, como sempre, enfatiza a violência acima do que as pessoas nas ruas estão
pedindo.
Na quinta, a primeira página do "New York
Times" mostrou um guarda atingindo o rosto de uma senhora com um spray
lacrimogêneo; pouco fala da insistência da maioria dos manifestantes em manter
a ordem, dos esforços em abrir uma relação com a polícia que, como tantos já
disseram, é povo e precisa de melhorias tanto quanto o resto.
Existe um contrato social e financeiro entre a
população e o governo. A população, por meio dos impostos, paga o governo para
exercer certas funções que deveriam garantir sua qualidade de vida: saúde,
educação, segurança, transportes. Se a população não paga, o governo castiga
com multas e prisão.
O que ocorre quando o governo não faz a sua
parte e deixa de garantir a qualidade do tratamento médico, da educação
pública, da segurança nas ruas e das fronteiras, dos transportes?
É óbvio que existe uma assimetria no poder: como
o governo detém controle da polícia e das forças armadas, fica fácil coibir
qualquer desavença. O que as pessoas talvez estejam começando a perceber é que
também têm poder. O contrato deve ser mantido dos dois lados; sem dinheiro, o
governo quebra.
Mas vamos ser positivos e imaginar que as
manifestações tenham o efeito de redefinir as metas do governo para cumprir o
seu lado do contrato. O que deve ser feito?
O desafio do Brasil é ser um país de dimensões
continentais, com mais de 200 milhões de habitantes. Bem diferente da Suécia ou
da Holanda. Temos uma economia baseada na agropecuária e mineração. Nada de
errado nisso, mas é insuficiente no mundo de hoje, onde tecnologias digitais
estão redefinindo como vivemos. Precisamos de energia sustentável, de
infraestrutura de comunicação, de técnicos, engenheiros e cientistas que possam
competir em pé de igualdade com os dos países que vemos como modelos.
Um exemplo simples: quais carros guiamos no
Brasil? Alemães, americanos, japoneses e coreanos. O que isso nos diz? Que
esses países têm um sistema de educação capaz de suprir a enorme demanda que
uma tecnologia competitiva requer. Se o Brasil tem a intenção de competir nesse
nível, tem de reformular o ensino público.
Imagine que a Coreia do Sul era um dos países
mais pobres do mundo em 1950, não muito diferente do Haiti. O que aconteceu?
Fizeram da educação a área prioritária. Treinaram engenheiros, cientistas e
médicos para levantar o país da miséria.
Não é falta de dinheiro. Em 2010, 4,3% do PIB
foi investido em educação básica. O que falta? Treinamento de professores que
então recebam salários dignos. Que jovem vai querer ser professor para ganhar
R$ 1.200 por mês? Não basta apenas pôr as crianças nas escolas; o que fazem lá
é essencial. Para isso, precisamos de professores bem treinados e de escolas
com laboratórios, bibliotecas e computadores.
Sem uma profunda transformação na educação, o
Brasil será passado para trás pelos países que já perceberam que sem um
investimento sério na educação estão optando pela mediocridade.
(*) Marcelo Gleiser é professor de física e astronomia do Dartmouth College, em
Hanover (EUA). É vencedor de dois prêmios Jabuti e autor, mais recentemente, de
“Criação Imperfeita”. Escreve aos domingos na coluna “Ciência”, da versão
impressa de Folha de São Paulo.