segunda-feira, 24 de junho de 2013

É hora da Educação

No momento em que a voz das ruas se manifesta de forma veemente sobre mais educação, penso ser muito oportuno repercutir o texto “É hora da educação”, do Marcelo Gleiser, publicado neste último domingo, 23/06/2013, na Folha de São Paulo. Esse texto expressa com propriedade, e de forma mais inteligível do sou capaz, o meu pensar e sentir sobre a questão da educação.

Marcelo Gleiser:

 “O Brasil acordou!" é o que temos ouvido, mesmo daqui dos EUA, sobre as manifestações no país. A mídia, como sempre, enfatiza a violência acima do que as pessoas nas ruas estão pedindo.

Na quinta, a primeira página do "New York Times" mostrou um guarda atingindo o rosto de uma senhora com um spray lacrimogêneo; pouco fala da insistência da maioria dos manifestantes em manter a ordem, dos esforços em abrir uma relação com a polícia que, como tantos já disseram, é povo e precisa de melhorias tanto quanto o resto.

Existe um contrato social e financeiro entre a população e o governo. A população, por meio dos impostos, paga o governo para exercer certas funções que deveriam garantir sua qualidade de vida: saúde, educação, segurança, transportes. Se a população não paga, o governo castiga com multas e prisão.

O que ocorre quando o governo não faz a sua parte e deixa de garantir a qualidade do tratamento médico, da educação pública, da segurança nas ruas e das fronteiras, dos transportes?

É óbvio que existe uma assimetria no poder: como o governo detém controle da polícia e das forças armadas, fica fácil coibir qualquer desavença. O que as pessoas talvez estejam começando a perceber é que também têm poder. O contrato deve ser mantido dos dois lados; sem dinheiro, o governo quebra.

Mas vamos ser positivos e imaginar que as manifestações tenham o efeito de redefinir as metas do governo para cumprir o seu lado do contrato. O que deve ser feito?

O desafio do Brasil é ser um país de dimensões continentais, com mais de 200 milhões de habitantes. Bem diferente da Suécia ou da Holanda. Temos uma economia baseada na agropecuária e mineração. Nada de errado nisso, mas é insuficiente no mundo de hoje, onde tecnologias digitais estão redefinindo como vivemos. Precisamos de energia sustentável, de infraestrutura de comunicação, de técnicos, engenheiros e cientistas que possam competir em pé de igualdade com os dos países que vemos como modelos.
Um exemplo simples: quais carros guiamos no Brasil? Alemães, americanos, japoneses e coreanos. O que isso nos diz? Que esses países têm um sistema de educação capaz de suprir a enorme demanda que uma tecnologia competitiva requer. Se o Brasil tem a intenção de competir nesse nível, tem de reformular o ensino público.

Imagine que a Coreia do Sul era um dos países mais pobres do mundo em 1950, não muito diferente do Haiti. O que aconteceu? Fizeram da educação a área prioritária. Treinaram engenheiros, cientistas e médicos para levantar o país da miséria.

Não é falta de dinheiro. Em 2010, 4,3% do PIB foi investido em educação básica. O que falta? Treinamento de professores que então recebam salários dignos. Que jovem vai querer ser professor para ganhar R$ 1.200 por mês? Não basta apenas pôr as crianças nas escolas; o que fazem lá é essencial. Para isso, precisamos de professores bem treinados e de escolas com laboratórios, bibliotecas e computadores.

Sem uma profunda transformação na educação, o Brasil será passado para trás pelos países que já perceberam que sem um investimento sério na educação estão optando pela mediocridade.

(*) Marcelo Gleiser é professor de física e astronomia do Dartmouth College, em Hanover (EUA). É vencedor de dois prêmios Jabuti e autor, mais recentemente, de “Criação Imperfeita”. Escreve aos domingos na coluna “Ciência”, da versão impressa de Folha de São Paulo.



terça-feira, 11 de junho de 2013

Autoridade

Jiddu Krishnamurti (*)

AS SOMBRAS DANÇAVAM no gramado verde; e embora o sol estivesse quente o céu estava muito azul e claro. Do outro lado da cerca um vaca olhava para o gramado verde e para as pessoas. A reunião das pessoas lhe parecia estranha, mas a grama verde era familiar, embora as chuvas já tivessem passado há muito e o solo estivesse marrom-queimado. Um lagarto pegava moscas e outros insetos no tronco de um carvalho. As montanhas distantes estavam enevoadas e convidativas.
            Ela disse, sob as árvores, após a palestra, que viera para ouvir caso o mestre dos mestres falasse. Ela fora muito séria mas agora essa seriedade virara obstinação. Esta era disfarçada por sorrisos e por uma tolerância razoável, que havia sido muito cuidadosamente pensada e cultivada; era uma coisa da mente e, assim, podia inflamar-se em intolerância violenta e irritada. Ela era grande e insinuante; mas havia uma censura escondida, nutrida por suas convicções e crenças. Era reprimida e dura, mas havia se dedicado à irmandade e à sua boa causa. Acrescentou, após uma pausa, que saberia quando o mestre falasse, pois ela e seu grupo tinham um modo misterioso de sabê-lo, que não era facultado a outros. O prazer do conhecimento exclusivo era bastante óbvio na maneira como disse isso, pelo gesto e pela inclinação da cabeça.
            O conhecimento exclusivo, privado, oferece um prazer profundamente gratificante. Saber algo que os outros não sabem é uma fonte constante de satisfação; isso proporciona a alguém o sentimento de estar em contato com coisas mais profundas, que dão prestígio e autoridade. Se você está em contato direto, tem algo que os outros não têm, e assim você é importante, não só para si mesmo mas para os outros. Eles o admiram e respeitam, com um pouco de receio, pois querem compartilhar daquilo que você tem; mas você dá, sempre sabendo mais. Você é o líder, a autoridade; e essa posição vem facilmente, pois as pessoas querem ser controladas, conduzidas. Quanto mais temos consciência que estamos perdidos e confusos, mais ansiosos ficamos para sermos guiados e orientados; portanto, a autoridade é estabelecida em nome do Estado, em nome da religião, em nome de um mestre ou de um líder partidário.
            O culto a autoridade, seja em grandes ou pequenas coisas, é mau, pior ainda em assuntos religiosos. Não existe intermediário entre você e a realidade; e se houver um, ele é um deturpador, um enredador, não importa quem ele seja, se o mais elevado salvador ou seu mais recente guru ou mestre. Aquele que sabe, não sabe; ele só pode saber seus próprios preconceitos, suas crenças projetadas e demandas sensoriais. Ele não pode conhecer a verdade, o incomensurável. Posição e autoridade podem ser estabelecidas, habilmente cultivadas, não a humildade. A virtude proporciona liberdade; mas a humildade cultivada não é virtude, mas simples sensação e, portanto, prejudicial e destrutiva; ela é uma prisão, de onde se precisa escapar repetidamente.
            É importante descobrir não quem é o Mestre, o santo, o líder, mas por que você o segue. Você só segue para se tornar algo, para ganhar, para ter clareza. A clareza não pode ser dada por outro. A confusão está em nós; nós a criamos e temos de removê-la. Podemos alcançar uma posição gratificante, uma segurança interna, um lugar na hierarquia da fé organizada; mas todas são atividades autolimitantes que levam a conflitos e sofrimentos. Você pode sentir-se momentaneamente feliz em sua realização, persuadir-se de que sua posição é inevitável, de que é seu destino; mas enquanto desejar tornar-se algo, qualquer que seja o nível, é certo que haverá sofrimento e confusão. Ser como nada não é negação. A ação positiva ou negativa da vontade, que é o desejo aguçado e intensificado, sempre leva à luta e ao conflito; não é o meio para o entendimento. O estabelecimento da autoridade e da obediência a ela é a negação do entendimento. Quando há entendimento, há liberdade, que não pode ser comprada ou concedida por outra pessoa. O que pode ser comprado pode ser perdido, e o que é dado por ser retirado; assim, a autoridade e seu medo são criados. O medo não será afastado por conciliações e velas; ele termina com o Cesar do desejo de se tornar.



(*) Um dos textos do livro: Comentários sobre o viver. Breves textos – Volume 1/ Jiddu Krishnamurti. Rio de Janeiro: Nova Era, 2007