segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Ser ou não ser...

  • Roberto Lira
 
Ser ou não ser, eis a questão’!
– A famosa frase de Shakespeare, na tragédia de Hamlet, serviu apenas de mote para o desenvolvimento deste texto. A questão que de fato queremos apresentar para a presente reflexão é: Ser ou não ser membro de uma organização de natureza espiritual?  O que suscitou esse questionamento foi o discurso ‘Dissolução da Ordem da Estrela’, proferido por Jiddu Krishnamurti, em 1929.
Antes de consideramos o mérito da questão, julgo oportuno termos uma visão, mesmo que superficial, da trajetória inicial desse proeminente pensador do último século, Jiddu Krishnamurti.
Krishnamurti nasceu, numa pequena vila ao sul da Índia, em 11 de maio de 1896. Ainda na adolescência, foi “descoberto” por dirigentes da Sociedade Teosófica e em seguida “adotado” pela Dra. Annie Besant, então presidente dessa sociedade. Levado a Londres, onde passou a ser aparelhado físico, intelectual e espiritualmente (do ponto de vista teosófico), para ser o veículo do aguardado “Instrutor do Mundo”, previsto pelos teosofistas para aquela época. Visando preparar o mundo para esse advento, foi criada a organização internacional ‘Ordem da Estrela do Oriente’, na qual Krishnamurti foi conduzido à líder. Até por volta de 1925, o jovem “Instrutor do Mundo” permaneceu fiel aos desígnios que lhe foram impostos. A partir de então, seus seguidores começaram a perceber que ele já não estava mais ajustado ao padrão esperado por seus tutores. Suas manifestações não continham as esperadas fórmulas e/ou esquemas, a serem dadas pela figura de um messias. Começou a insistir que o ser humano não devia se submeter a nenhuma autoridade, a não ser à sua própria consciência. O quê eram, para os olhos de muitos, coisas “assustadoras”. Para culminar essa nova fase, em agosto de 1929, na abertura do Acampamento Anual da Ordem da Estrela, em Ommem, Holanda, diante de mais de 3.000 membros e de muitos ouvintes, das rádios que transmitiam o evento, Krishnamurti renunciou ao papel de messias que lhe fora destinado. Dissolveu a Ordem que já somava milhares de seguidores, devolveu todo o dinheiro e as propriedades que foram doadas para dar sustentação à missão que lhe era destinada.
No discurso proferido na dissolução da Ordem da Estrela (o texto completo está disponível no link Coletânea), entre outras, Krishnamurti faz as seguintes afirmações:
  •     Eu afirmo que a Verdade é uma terra sem caminhos, e vocês não podem alcançá-la por nenhum caminho, qualquer que seja, por nenhuma religião, por nenhuma seita.
  •     A Verdade, sendo ilimitada, incondicionada, inacessível, por qualquer caminho que seja, não pode ser organizada; nem pode qualquer organização ser constituída para conduzir ou coagir pessoas para qualquer senda particular.
  •     Eu sustento que nenhuma organização pode conduzir o homem a espiritualidade. Se uma organização for criada com esse propósito, ela se transforma numa muleta, um ponto franco, uma dependência, incapacita o indivíduo, e o impede de crescer...
  •    Organizações não podem torná-los livres. Nenhum homem de fora pode torná-los livres; nem pode o culto organizado, nem a imolação de vocês mesmos por uma causa os torna livres;
  •      Vocês têm a idéia de que somente determinadas pessoas possuem a chave do Reino da Felicidade. Ninguém a possui. Ninguém tem a autoridade para possuir tal chave. Essa chave é seu próprio eu, e no desenvolvimento e na purificação e na incorruptibilidade desse eu particular está o Reino da Eternidade.
  •     Vocês podem formar outras organizações e esperar por outra pessoa. Não estou preocupado com isso, nem com a criação de novas prisões, novas ornamentações para esses cárceres. Meu único interesse é tornar o ser humano absolutamente, incondicionalmente livre.
Ao ler pela primeira vez o discurso ‘Dissolução da Ordem da Estrela’, minhas esperanças nas organizações de natureza espiritual foram diminuídas. Uma luz de alerta foi acesa.  Enxerguei que algumas dessas instituições são sérias e bem intencionadas. Mas hoje, não sei se isso é o suficiente para uma vinculação. Após várias releituras que fiz ao referido discurso, seguida de meditadas reflexões, minha consciência foi intransigente e me impôs o veredito:
Suas caminhadas de agora em diante serão realizadas fora das organizações de natureza espiritual.
            Que seja feita à sua Vontade (dela, consciência)!
            Shanti! Shanti! Shanti!
Adendo:
Krishnamurti seguiu sua jornada, percorrendo quase todo o mundo (inclusive o Brasil – sua 1ª palestra no Rio de Janeiro, também, está disponível no link Coletânea), difundindo seus ensinamentos em palestras e livros (editados a partir dessas palestras), o qual condiciona a almejada felicidade ao conhecimento de si mesmo. Abominando o nacionalismo e não pertencendo a nenhuma seita, organização religiosa, política ou vertente ideológica, afirmava que essas instituições eram os verdadeiros fatores que contribuíam para os conflitos e as guerras.

Um comentário:

  1. Parabéns Roberto,

    O blog está muito bom.
    A transcendência de poder compartilhar os pensamentos e experiências com outras pessoas é muito gratificante. Agora podes tornar-se tutor de si mesmo, pois o que lhe faltava já tens.

    Abraços,

    Luiz Otávio

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