terça-feira, 14 de agosto de 2012

A "atenção passiva"




Roberto Lira

Ao depararmo-nos com a sugestão: mantenha-se passivamente atento, não nos parece que estamos diante de um paradoxo? Geralmente reagimos dizendo: como manter uma atenção passiva, se para ficarmos atento requer estar alerta, concentrado; enquanto que, ser passivo é não ter iniciativa, é ficarmos indiferente ou apático? Como unificar essas duas ações que semanticamente nos parece tão antagônicas?
Para achegarmo-nos a alguma compreensão desse aparente paradoxo que nos possa ser útil, talvez seja profícuo agregarmos a questão do observador e da coisa observada. Para isso, vamos nos amparar em um trecho do livro As Paixões do Ego*, de Humberto Mariotti, páginas 248/9, onde ele comenta essa questão da atenção passiva denominando-a de a fenomenologia da inocência:
 “Atenção passiva: a fenomenologia da inocência
Recordemos que Bohm assinala que a noção de que o observador não pode ser separado daquilo que observa surgiu na física quântica, como condição necessária ao entendimento das leis fundamentais da matéria. Na verdade, essa noção remonta às tradições védicas da Índia. Segundo Bohm, a descoberta fundamental de Krishnamurti foi perceber que não nos damos conta do que realmente acontece porque não temos consciência de nossos processos de pensamento. Para o filósofo indiano, em geral nos damos conta do que estamos pensando, mas pouco ou nada sabemos sobre como estamos pensando num determinado momento. Por outras palavras, não fizemos a epistemologia do nosso pensar. Isso decorre de que não estamos suficientemente atentos para ser capazes de observar os nossos processos de pensamento.
Como conhecer a estrutura e a função desses processos? Segundo Krishnamurti, por meio da auto-observação, mais especificamente do método que ele denomina de atenção passiva, que consiste em refletir e, ao mesmo tempo, estar atento ao que acontece enquanto se reflete. Mas é importante fazê-lo sem crítica, sem aceitar ou rejeitar desde logo o que se está percebendo. Sem tentar, enfim, dar de imediato “um sentido” ao que se percebe, mesmo porque esse “sentido”, no mais das vezes, não passa de uma forma de reduzir tudo ao que achamos que faz sentido.
Trata-se de refletir sem tentar logo de saída pôr ordem na confusão que muitas vezes surge em nossa mente enquanto pensamos. É fundamental não ceder à resistência inicial ao contato com idéias novas. Pelo contrário, é preciso deixá-las vir e examiná-las em seus mínimos detalhes, buscar a familiaridade com elas. Não nos esqueçamos de que essa resistência, esse espanto inicial, representava, para Aristóteles, o ponto de partida da investigação filosófica e não uma oposição a ela.
No entender de Krishnamurti, a atitude de evitar a intervenção precoce da crítica e da vontade permitirá que o pensamento se auto-regule. Por ser o cérebro um sistema autopoiético, a não-interferência imediata em seus processos permitirá que nos beneficiemos dos frutos dessa auto-regulação, que é sistêmica e acontece quando conseguimos que nossa mente fique quieta.”  

Segundo Krishnamurti, a auto-observação nos torna capaz de perceber que somos nossos próprios preconceitos (pensamentos) e não apenas observadores isentos destes. Ou seja, o observador é a coisa observada. Tal consideração não é difícil de entender intelectualmente, mas transformá-lo em mudanças significativas no viver, certamente, é o xis da questão. Essas mudanças, para Krishnamurti, não são desenvolvidas gradualmente: surgem instantaneamente, num insight; não dependem do tempo, do pensamento e por isso é imprescindível estar atento a eles. Ele afirma que quando observamos um sentimento, ou pensamento, por tempo suficiente geralmente ele se modifica ou desaparece. Todavia se a observação ocorre de forma coercitiva, tentando nos livrar dele, continuaremos como observadores. Desse modo, o sentimento, ou pensamento, cedo ou tarde voltará a nos incomodar, tendo em vista ter sido reprimido e não vivido na sua totalidade.
Manter essa “atenção passiva”, de modo integral nos nossos relacionamentos, é algo que só ocorre ocasionalmente no nosso viver. Mesmo assim, se estivermos consciente que ela é possível e quiçá necessária para alcançarmos a almejada liberdade que a quietude da mente pode nos proporcionar.
Atenção! Aqui e agora! 

* As Paixões do Ego: Complexidade, Política e Solidariedade. Humberto Mariotti. São Paulo: Palas Athena, 2000. 356 p.









3 comentários:

  1. Bom dia Roberto,

    Hoje é feriado em Belo Horizonte, o dia está escuro e nublado, fora isso, ainda faz aquele friozinho típico do fim do inverno, aquele que nos convida a permanecer no aconchego morno do lar. Aproveitei o cenário para navegar, porque "navegar é preciso", e me deparo com seu novo "post", grata surpresa.

    Adorei o texto, ficou muito leve e palatável, Humberto Mariotti "digeriu" o pensamento de Krishnamurti, trazendo um compreensão clara, simples e concisa sobre a importância de estar atento e observador, coisa que você sempre assinala.

    Como é essencial conhecer a atuação do pensamentos. Como disse anteriormente, é algo paradoxal, somos o reflexo do que pensamos e não o contrário, mesmo que perceba sua natureza e suas manifestações em minha mente, como ensina a logosofia, isso não basta, continuo sendo escravizado por ele, suave e sutilmente, de forma subliminar, imperceptível.

    Penso que comecei a assimilar o raciocínio de JK, de fato, um "insight", decorrente do tempo de amadurecimento, da maturação, conseguindo separar o mosto do vinho, como a compreensão que se torna cristalina, que de tão óbvia, se torna intrigante. Por que demorei em percebê-la?

    A atuação dos pensamentos, pode ser.


    Um grande abraço,


    Luiz Otávio

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    1. Bons dias Luiz,
      Hoje também é feriado aqui em Berlândia, o que não muda muito para os meus afazeres. Já fui ao clube espancar a bolinha amarela, enquanto tive pernas para isso. Agora também já estou sendo aconchegado do lar. Portanto, no nosso placar até agora está dando empate, kkkkkk!
      Que bom você ter gostado do texto. Esse livro do Mariotti (Paixões do Ego) é excelente. Mariotti é médico psicoterapeuta, conferencista nacional e internacional e coordenador do Grupo de Estudos de Complexidade e Pensamento Sistêmico da Associação Palas Athena (São Paulo). Nesse livro ele resume vários pensamentos de pensadores da atualidade como Jiddu Krishnamurti, David Bohm, Edgar Morin, Humberto Maturana, Francisco Varela, Gregory Bateson entre outros e também traz a tona muitos dos pensamentos de filósofos de várias épocas. Para mim, esse é um livro que vale a pena ler.
      Quanto à assimilação dos conceitos de JK é como você manifestou. Vai acontecendo um “insightizinho” aqui, outro ali, e a coisa vai tomando corpo e fazendo nossa vida ter mais vida. E vamos em frente que atrás, na frente, em cima, em baixo, do lado, tem gente para nos relacionarmos. E, quando estamos passivamente atentos nesses relacionamentos – imitando o poeta Fernando Pessoas, eu digo que: viver vale a pena pois a alma não é pequena.
      Abração,
      Roberto Lira

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  2. Boa tarde Roberto,

    Enviei um texto para seu e-mail.
    Aguardo notícias suas.

    Abraço,

    Luiz Otávio

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