Jiddu Krishnamurti (*)
ELE VIERA DE MUITO LONGE, viajando por
vários milhares de quilômetros de barco e avião. Falava apenas seu
próprio idioma e com maior dificuldade estava se ajustando a esse novo e perturbador
ambiente. Não estava absolutamente acostumado a esse tipo de alimento e a esse
clima; tendo nascido e sido criado em uma altitude muito elevada, o calor úmido
tinha um efeito ruim sobre ele. Era um homem culto, uma espécie de cientista, e
escrevera alguns trabalhos. Parecia bem familiarizado com ambas as filosofias,
ocidental e oriental, e fora católico apostólico romano. Disse que estava
insatisfeito com tudo há muito tempo, mas levara adiante por causa da família.
Seu casamento era o que poderia ser considerado feliz, e ele amava seus dois
filhos. Eles estavam agora na faculdade naquele país longínquo, e tinham um
futuro brilhante. Mas a insatisfação em relação à sua vida e atividade foi
aumentando constantemente ao longo dos anos, e ele enfrentou uma crise há
alguns meses. Deixou a família e tomou todas as providências necessárias em
relação à mulher e aos filhos, e agora aqui estava ele. Tinha dinheiro suficiente
apenas para o básico, e viera encontrar Deus. Ele disse que não estava, de maneira
alguma, desequilibrado e que tinha clareza sobre seu propósito.
Equilíbrio não é um assunto para ser
julgado pelos frustrados ou pelos bem-sucedidos. Os bem-sucedidos podem ser os
desequilibrados; e os frustrados tornam-se amargos e cínicos ou encontram uma
fuga através de alguma ilusão projetada. O equilíbrio não está nas mãos dos
analistas; ajustar-se às normas não necessariamente indica equilíbrio. As
próprias normas podem ser o produto de uma cultura desequilibrada. Uma sociedade
aquisitiva, com seus padrões e normas, é desequilibrada, seja de esquerda ou de
direita, quer seja aquisitividade investida no Estado ou em seus cidadãos.
Equilíbrio seria a não-aquisitividade. A idéia de equilíbrio e não-equilíbrio está
ainda no campo do pensamento e, portanto, não pode ser o juiz. O próprio pensamento,
a reação condicionada com seus padrões e julgamentos, não é a verdade. A
verdade não é uma idéia, uma conclusão.
Pode Deus ser encontrado por meio da
procura? Você pode procurar pelo incognoscível? Para encontrar, você deve
conhecer o que está procurando. Se você procura para encontrar, o que você
encontrar será uma projeção; será o que você deseja, e a criação do desejo não
é a verdade. Procurar a verdade é negá-la. A verdade não tem residência fixa;
não há um caminho nem um guia para ela, e a palavra não é a verdade. Será a
verdade encontrada em um cenário particular, em um clima especial, entre certas
pessoas? Está aqui e não ali? Este é o guia para a verdade e não um outro? Existe
realmente um guia? Quando a verdade é procurada, o que é encontrado só pode
surgir da ignorância, pois a própria busca nasce da ignorância. Você não pode
procurar a realidade; você deve cessar para que a realidade seja.
“Mas não posso encontrar o sem-nome? Eu
vim para este país porque aqui há um sentimento maior por essa busca. Materialmente,
pode-se ser mais livre aqui, não é necessário possuir tantas coisas; as posses
não lhe sobrecarregam aqui como em outros lugares. É por isso, em parte, que as
pessoas vão para mosteiros. Mas existem fugas psicológicas em ir para um
mosteiro e, como eu não quero fugir para um isolamento organizado, estou aqui, vivendo
minha vida para encontrar o sem-nome. Será que tenho capacidade para
encontrá-lo?”
É uma questão de capacidade? A capacidade não implica seguir um rumo
particular de ação, um caminho predefinido, com os ajustes necessários? Quando
você faz essa pergunta, não está perguntando se você, um indivíduo comum, tem
os meios necessários de obter o que deseja? Certamente sua pergunta sugere que
somente os excepcionais encontram a verdade, e não o homem comum. Será a
verdade concedida apenas a uns poucos, aos excepcionalmente inteligentes? Por
que perguntamos se somos capazes de encontrá-la? Nós temos o padrão, o exemplo
do homem que, presume-se, tenha descoberto a verdade; e o exemplo, sendo
elevado muito acima de nós, cria incerteza em nós mesmos. O exemplo,
consequentemente, assume grande importância, e há uma competição entre o
exemplo e nós mesmos; nós também ansiamos por ser aquele que bate o recorde. Essa
pergunta, “Eu tenho capacidade?”, não surge da comparação consciente ou inconsciente
da pessoa entre o que ela é e o que ela supõe que o exemplo seja?
Por que nos comparamos com o ideal? E
trará a comparação entendimento? O ideal é diferente de nós? Não é uma
projeção, uma coisa criada por nós, e isso não impede, portanto, nosso entendimento
de como nós somos? A comparação não é uma fuga do entendimento de nós mesmos?
Existem muitos modos de fugirmos de nós mesmos, a comparação é um deles.
Certamente, sem o autoentendimento a busca pela chamada realidade é uma fuga de
si mesmo. Sem autoconhecimento, o deus que você busca é o deus da ilusão; e a
ilusão, inevitavelmente, traz conflito e dor. Sem autoconhecimento, não pode
haver raciocínio correto; e então todo o conhecimento é ignorância que só pode
levar a confusão e à destruição. O autoconhecimento não é o objetivo final; é a
única ferramenta de acesso ao inexaurível.
“O autoconhecimento não é extremamente
difícil de ser adquirido e não leva muito tempo?”
A própria noção de que o
autoconhecimento é difícil de se adquirir é um obstáculo ao autoconhecimento. Se
me permite sugerir, não suponha que será difícil ou que levará muito tempo; não
predetermine o que é e o que não é. Comece. O autoconhecimento é para ser descoberto na
ação do relacionamento; e toda a ação é relacionamento. O autoconhecimento não
surge pelo auto-isolamento, pelo recolhimento; a negação da relação é a morte.
A morte é a resistência suprema. A resistência, que é repressão, substituição ou
sublimação em qualquer forma, é um obstáculo ao fluxo do autoconhecimento; mas
a resistência é para ser descoberta no relacionamento, na ação. A resistência,
seja negativa ou positiva, com suas comparações e justificativas, suas
condenações e identificações, é a rejeição do que é. O que é está implícito;
e a percepção do implícito, sem qualquer escolha, é a revelação dele. Essa
revelação é o início da sabedoria. A sabedoria é essencial para que o
desconhecido, o inexaurível, tome forma.
Boa tarde Roberto,
ResponderExcluirBelo texto, embora tenha considerado um pouco anárquico, nietzscheniano e niilista.
Consinto profundamente com a afirmação de JK: "A verdade não é uma idéia, uma conclusão.". Talvez seja abstrata de demais essa frase, mas hoje me sinto capaz de "sentir" a verdade dessa forma, assim como foi expressada na própria frase.
A busca pela verdade, que nasce da ignorância, pelo desejo de "saber", me remeteu a conceito da contemplação, buscando elevar-se a Deus com o propósito "ambicioso" de tentar compreendê-lo, desprendendo-se de tudo para vincular-se ao Criador. As palavras são lindas, mas a prática é distante e quase intangível, pouco penso sobre isso, que de tão elevado, torna-se difícil conceber. Prefiro seguir seu raciocínio e assim como as águas do rio, deixar-me levar, sem as obsessões que neurotizam essa busca.
Procura não mirar-me em ninguém, estabelecer metas e objetivos correndo atrás do ideal. Mercadores da verdade encontram-se aos montes, desde os primórdios de humanidade eles devem existir, e a verdade é provavelmente uma das mercadorias mais antigas que se encontram a venda. Sem dúvida a praga dos impostores deverá perdurar por muito tempo, estes seres que se colocam acima do homem comum, esses abençoados interlocutores de "Deus", que vieram a este mundo somente para fazer o "bem".
Projetar-nos em quê e em quem, me pergunto, penso que talvez esteja me imunizando a essa impostura, a cultura da reverência que nos é ensinada desde a mais tenra idade vai além do valor do respeito, mas sim, encobrindo em seu âmago, a complacência e a submissão, privando-nos do autoconhecimento que liberta e nos livra da confusão e da "destruição" como afirma JK.
Tentemos então não morrer em vida, para, pelo ou menos, termos uma chance de nos autoconhecer, observadores é claro, e quem sabe, assimilando alguma coisa que nos possa "revelar" algo.
Um grande abraço,
Luiz Otávio
Bons dias Luiz,
ExcluirInteressante seu comentário. Para agregar alguma coisa a este seu comentário, penso ser necessário fazer um pequeno balizamento que é: “A palavra não é a coisa”, como diz JK. Assim, penso que as manifestações de JK têm algo de anarquismo, niilismo e nietzschianismo, sem ser nenhum deles. Como faria Jack o estripador, vamos por partes.
Do anarquismo, penso que suas manifestações (dele, JK) refletem a ideia que o poder como é exercido pelo Estado é nocivo a uma autêntica comunidade humana, mas não as vejo tentando afrontar à ordem social ou os costumes e sim, como uma sinalização, para que individuo mude o rumo do seu viver.
Do niilismo, suas manifestações são na direção do aniquilamento, da não existência. Mas aniquilamento e não existência do quê? Penso que ele sempre se refere ao aniquilamento do próprio Ego e não em sermos reduzidos a nada. Também, a não existência de crenças e valores tradicionais, que para mim possuem o grande potencial destrutivo e separatista.
Quanto à relação do pensamento dele com o nietzschianismo, penso que é caracterizado pela rejeição absoluta a todas as doutrinas morais e religiosas, mas não indica uma disciplina para suprimir a plenitude dos instintos humanos. Entendo que ele quer o ser humano agindo de forma integral e tentando compreender a sim mesmo sem nenhum fracionamento.
Quanto ao seu comentário sobre a frase de JK, “A verdade não é uma idéia, uma conclusão.", como diria os ministros do STF, data vênia – de coração, não a sinto como abstrata, e sim como algo bastante simples. Para mim a “verdade”, no contexto que JK está se referindo, é quando pensamos num Deus concluído, pronto, acabado ou de outra forma, idealizado, imaginado. O que seria uma fantasia.
Quanto ao restante do seu comentário é, também, bastante interessante e eu consinto com muito dele. E para que este meu comentário – do seu comentário, não se torne um novo texto, vou concluir salientando a sugestão do JK, extraída do próprio texto: NA TAREFA DO AUTOCINHECIMENTO, não suponhamos nós que será difícil ou que está distante, COMEÇE-MOS!
Abração,
rjtl
Bom dia Roberto,
ResponderExcluirGostei das ponderações e da análise construtiva do texto acima. Embora tenha me manifesta naquele sentido, meu pensamento sobre JK é análogo ao seu, ou poderia dizer simétrico. Tambám não vejo JK como usurpador da paz social, mas apenas como alguém que não aceitou se conformar com moldes e doutrinações de qualquer ordem, como comentou acima.
Com relação a frase, não quis aludir ao intangível, o inalcançável, mas a um conceito mais filosófico, aquele mais sutil, que resulta da capacidade de abstração da criatura humana, daquilo que só pode ser concretizado no nosso mundo mental, e que mesmo sendo simples em sua mensagem, é para uma grande quantidade de seres, realmente "abstrata", infelizmente. Espero que sido claro na exposição, caso contrário, pode ter ficado muito abstrata. KKKKKKK. "Essa foi para quebrar o clima."
Quanto ao restante, é isso mesmo, mesmo que caibam sobre qualquer texto de JK infinitas divagações, tornando difícil exaurir qualquer assunto, penso que estamos trilhando um bom caminho, afinal, me considero responsável pela minhas próprias escolhas.
Grande abraço,
Luiz Otávio
Bons dias Luiz!
ExcluirObrigado por mais esse comentário. Como já manifestei, acho que é através dos diálogos – no caso comentários – que nos formamos/completamos. Em momento algum se preocupe se nossos pensamentos, sobre qualquer assunto, apresentam simetria ou assimetria. O importante é manifestarmos nossas compreensões e cada um, nós e/ou outros, absorva o que julgamos proveitoso. Como diz o bordão: Isso é o que interessa, o resto não tem pressa.
Abração,
rjtl
P.S.: Amanhã vou passar uns dias com uns netos. Estando fora da minha “base”, possivelmente, darei uma sumidinha da blogosfera. Beleza?
Boa noite Roberto,
ExcluirAproveite sua estada com seus netos e familiares, momentos raros da vida que não podemos nos dar ao luxo de desperdiçar.
Abraços,
Luiz Otávio