Roberto Lira
No embalado do texto
de Hélio Schwartsman (reproduzido neste blog), que trata da polêmica entre
entre Ives Gandra e Daniel Sottomaior sobre o fundamentalismo, recebi ontem um
texto do Contardo Galligaris, enviado por um blogueiro compartilhador – Alam
Kenji Minowa. Esse texto do Galligaris, “Sentidos
do fundamentalismo”, dá continuidade a polêmica em questão.
Galligaris além de
apresentar uma definição do que é fundamentalismo, com a qual eu consinto em
todos os aspectos, faz referência a uma solicitação feita por seu pai em
relação à morte, a qual eu, também, já fiz aos meus filhos acrescentando que
não me enterrem e sim me cremem. Mesmo não sendo fundamentalista no geral, no
caso particular da referida solicitação, fundamentalista eu sou.
Mantendo o propósito
do blog que é o de Compartilhar Idéias, Reflexões e Utopias, especialmente,
quando ao meu juízo elas contribuem para a superação humana é que reproduzo
abaixo o texto do Calligaris. Por ora, sem maiores análises.
“CONTARDO CALLIGARIS
Sentidos do fundamentalismo
Eis uma (pequena) contribuição ao debate sobre fundamentalismo que
se deu, recentemente, na Folha (artigos de Ives Gandra da Silva Martins,
24/11, e Daniel Sottomaior, 8/12; cartas dos leitores Antônio Ilário Felici e
Francisco Guimarães, 9/12; coluna de Hélio Schwartsman, 10/12).
Fundamentalista é, antes de mais nada, quem leva a sério sua
convicção e segue à risca os preceitos que derivam dela.
Se você for católico, não se divorciará nem comerá carne na Sexta
da Paixão; se for judeu, no sábado, evitará ligar a luz elétrica; se for
muçulmano, não tomará álcool e, caso seja mulher, circulará de véu fora de
casa; se for ateu, não invocará a misericórdia divina, nem mesmo em momentos de
extremo perigo.
Meu pai era convencido de que existem mistérios para os quais
qualquer resposta seria desonesta.
Nesse seu agnosticismo, ele era fundamentalista no sentido que
acabo de definir. Um dia, quando meu irmão e eu éramos já adultos, ele quis que
prometêssemos que, se ele, na agonia, pedisse a assistência de um padre, nós
lhe negaríamos esse recurso, considerando que sua sanidade mental teria se
perdido no aperto acovardado da última hora.
Prometemos. Por sorte, ele morreu sem pedir conforto religioso
algum. Se ele tivesse pedido, não sei se eu teria mantido minha promessa; à
diferença dele, eu não sou fundamentalista: decido e escolho segundo as
circunstâncias e não por princípio.
Mesmo assim, tenho respeito, se não simpatia, por esse tipo de
fundamentalismo. E acho que todos deveriam poder levar (e viver) suas
convicções a sério, se assim quiserem – claro, nos limites básicos impostos
pelos códigos Penal e Civil, que regem a convivência social.
Mas tenho pressa de chegar ao outro sentido, pelo qual
fundamentalista é quem exige que os preceitos que derivam de suas convicções ou
de sua fé sejam observados por todos – ou mesmo que eles se transformem em lei
da sociedade inteira.
Esse tipo de fundamentalista, seja qual for sua convicção,
religiosa ou ateia, é animado pela necessidade de converter os outros, a
qualquer custo. Em geral, ele acha que a violência de seu espírito
"missionário" é um corolário de sua fé e uma prova de sua generosidade:
"Forçando o outro a se converter, eu só quero seu bem, mesmo que seja
contra a vontade dele".
Com esse tipo de fundamentalista, eu implico, por duas razões.
Primeiro, detesto que alguém esconda sua violência atrás de
pretensas boas intenções e não gosto da idéia de que um outro imagine saber o
que é "bom" para mim.
Segundo, não acredito que alguém possa querer converter os outros
à força por generosidade.
Há duas razões pelas quais, em regra, alguém quer impor as normas
de suas convicções aos outros, e ambas são péssimas:
1) Ele precisa que ao menos os outros respeitem essas normas, que
ele preza, mas não consegue impor a si mesmo -ou seja, incapaz de obedecer a
seus próprios princípios, ele quer validá-los pela obediência forçada dos outros;
2) Ele quer se livrar da inveja que ele sente da vida dos que não
respeitam essas mesmas normas (para assinalar a componente de inveja, presente
nos moralistas, Alfred Kinsey, o grande sociólogo e sexólogo, dizia que
"ninfômana" e "tarado" são os que conseguem ter uma vida
sexual mais intensa do que a da gente).
Em suma, os motores de muitos fundamentalismos missionários são a
incapacidade de viver à altura dos preceitos pregados e a inveja de quem não
respeita esses preceitos.
Por isso, no debate (ou na gritaria) entre homossexuais e
evangélicos, por exemplo, nem preciso decidir se gosto mais de Oscar Wilde ou
do apóstolo Paulo.
Pois, bem antes e independentemente disso, a oposição relevante é
a seguinte: os homossexuais não pretendem que os evangélicos passem todos a
transar com parceiros do mesmo sexo ou a frequentar baladas gays, enquanto os
evangélicos pretendem que os homossexuais se convertam e renunciem a seu desejo
(transformado em "pecado") – ou, no mínimo, que eles sejam impedidos
de viver segundo suas próprias disposições e convicções.
Ou seja, para se situar nessa oposição, não é preciso escolher
entre as idéias e as práticas das partes, mas entre os que querem regrar a vida
de todos segundo seus preceitos e os que preferem que, nos limites da lei,
todos possam pensar e agir como quiserem.
Assim sendo, como se diz na roleta, "façam suas
apostas".”
Eu diria, assim sendo, reflitam e vivam o aqui é o agora!
P.S.: O texto acima
pode ser visto em: http://groups.google.com/group/textos-calligarisgleiser,
ou em: http://groups.google.com/group/saladeconversa-calligarisgleiser
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