segunda-feira, 29 de julho de 2013

O que você quer?

Jiddu Krishnamurti (*)
Segurança, felicidade, prazer
O que é que a maioria esta procurando? O que é que cada um de nós quer? Neste mundo inquieto, onde todos estão tentando encontrar algum tipo de paz, algum tipo de felicidade, um refúgio, é importante descobrir o que é que estamos tentando buscar, o que estamos tentando descobrir. Provavelmente, a maioria está buscando felicidade, paz. Penso que é isso o que a maioria quer. Então, começamos a buscar, passamos de um líder para outro, de uma organização religiosa para outra, de um mestre para outro.
Mas estamos procurando felicidade ou estamos em busca de satisfação de algum tipo, da qual esperamos extrair felicidade? Há uma diferença entre satisfação e felicidade. Você pode procurar felicidade? Talvez possa encontrar satisfação, mas de modo algum pode encontrar felicidade. Felicidade é derivativa, é um subproduto de alguma coisa. Então, antes de entregar a mente e o coração a algo que demande uma dose de dedicação, atenção, pensamento e cuidado, devemos descobrir o que é que estamos procurando, se é felicidade ou satisfação. Receio que muitos de nós estamos procurando satisfação. Queremos ficar satisfeitos, queremos encontrar uma sensação de plenitude ao fim de nossa busca.
Quem está buscando paz, pode encontrá-la muito facilmente. Podemos nos devotar cegamente a uma causa, uma idéia, e esse será nosso refúgio. No entanto, isso não resolve o problema. O mero isolamento no refúgio de uma idéia não nos liberta do conflito. Então, devemos descobrir o que é que queremos, interna e externamente. Se descobrimos isso, não precisamos ir a lugar algum, nem procurar um mestre, uma Igreja, uma organização. Dessa forma, nossa dificuldade reside em sabermos com clareza qual é nossa intenção, não é? Podemos saber com clareza? Isso vem através da busca, da tentativa de descobrir o que os outros dizem, desde o mais elevado mestre até o pregador comum da igreja ali na esquina? É preciso recorrer a alguém para descobrir? No entanto, é isso que estamos fazendo, não é verdade? Lemos inúmeros livros, participamos de muitas reuniões, discutimos, filiamo-nos a várias organizações, tentando achar um remédio para o conflito, para a infelicidade em nossas vidas. Ou, se não fazemos isso tudo, achamos que nossa busca chegou ao fim, isto é, dizemos que uma certa organização, ou determinado mestre, ou um livro específico nos satisfaz, que encontramos tudo o que queríamos; e assim permanecemos, cristalizados e encerrados.
Nós procuramos, no meio de toda essa confusão, algo permanente, duradouro, algo que possamos chamar de real, Deus, verdade, o que você queira, pois o nome não importa, a palavra, seguramente, não é a coisa que define. Então, não vamos nos enredar em palavras, deixemos isso para os oradores profissionais. A maioria busca por algo permanente. Algo a que possamos nos agarrar, algo que nos dê uma certeza, uma esperança, um entusiasmo duradouro, uma convicção que dure, porque, no íntimo, somos indecisos. Não conhecemos a nós  mesmos. Sabemos muito sobre fatos, sabemos o que os livros dizem, mas não sabemos por nós mesmos, não temos uma experiência direta.
E o que é que chamamos de permanente? O que é que estamos procurando, que nos dará ou que esperamos que nos dê permanência? Não estamos procurando felicidade, satisfação e certeza duradouras? Queremos algo que dure para sempre e que nos dê satisfação. Se nos despojarmos de todas as palavras e frases e realmente olharmos para esse algo, veremos o que queremos. Queremos prazer permanente...
A felicidade não pode ser perseguida
O que você quer dizer com “felicidade”? Alguns dirão que felicidade é ter o que se quer. Você quer um carro, consegue um, então é feliz. Eu quero roupas, quero ir à Europa, e se posso ir, fico feliz. Quero ser o maior político que já existiu e, se consigo, fico feliz, se não consigo, torno-me infeliz. Então, o que chamamos de felicidade é ter o que se quer, é realizar, alcançar sucesso, tornara-se nobre, conseguir qualquer coisa que se queira. Quando quer alguma coisa e pode tê-la, você se sente perfeitamente feliz, não sente nenhuma frustração.  Mas, se não pode ter o que quer, sua infelicidade começa. Todos nós nos preocupamos com isso, não só os ricos ou os pobres. Os ricos e os pobres, todos querem algo para si, para sua família, para a sociedade e, se são impedidos, tornam-se infelizes. Não estamos dizendo que os pobres não devem ter o que querem. O problema não é esse. Estamos tentando descobrir o que é felicidade e se ela é alguma coisa da qual estamos conscientes. Será felicidade aquele momento em que tomamos consciência de que somos felizes, que possuímos muito? Esse momento não é felicidade, é? Então, não podemos ir atrás da felicidade. No momento em que temos consciência de que somos humildes, não somos humildes. Portanto, felicidade não é algo que se persiga. Ela vem para nós. Mas, se a procurarmos, ela fugirá.
O segredo da felicidade é o autoconhecimento no relacionamento
Você já está se compreendendo através do espelho de seus próprios pensamentos, no espelho do relacionamento. Acredito que a felicidade está em nossas mãos, e que o segredo dela é o autoconhecimento – não o autoconhecimento de Freud, Jung ou Shankara, nem de outros, mas aquele que vem com as descobertas que fazemos em nosso relacionamento, dia após dia. É através da observação, da percepção, sem o esforço do pensamento dia após dia, quando estamos em um ônibus, ou viajando de carro, quando falamos com a esposa, com os filhos, com os vizinhos, é através da observação de tudo isso, como se  olhássemos num espelho, que começamos a descobrir como falamos, como pensamos e reagimos, e vemos que, nessa compreensão de nós mesmos, temos algo que não é encontrado em livros, filosofias, nos ensinamentos de nenhum guru.

(*)  Trechos do livro: O que você está fazendo com a sua vida? – Jiddu Krishnamurti. Rio de Janeiro: Nova Era, 2010

3 comentários:

  1. Caro Roberto,

    Sempre leio o seu blog que já quase coloquei nos meus “in memoriam” por você escrever pouco nele. Mesmo admirando o linguajar do Krishinamurti (desculpe se errei o nome, mas, é difícil), eu ainda prefiro o Papa Francisco que diz que a felicidade existe e, com fé, pode ser encontrado numa boa feijoada, desde que estejamos prontos para colocar mais água nela em solidariedade. O que penso que seu guru, no fundo, no fundo está tentando dizer é que para encontrarmos a felicidade basta irmos a uma boa missa, e cumprimentar nossos irmãos.

    O último parágrafo também me lembrou o Zeca Pagodinho, cantando: “Deixa a vida me levar, vida leva eu....”. Desculpe a jocosidade, mas, até a felicidade pode ser nela encontrada.

    Lucinha Peixoto

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    1. Cara Lucinha, bons dias!
      Eu também sou um contumaz leitor do seu blog e, também, o do ZéCar (AGD). Como um bom mineirinho (mesmo adotado) quando se trata de Crenças e Opiniões fico quietinho no meu cantinho. Já manifestei (você deve lembrar) que depois de ter lido “As Opiniões e as Crenças”, de Gustave Le Bon, posso não respeitar as crenças, mas respeito de coração todos os crentes. Polêmica nunca mais!
      Quanto ao que você pensa do JK – você o ofende quando o chama de guru, mas deixa prá lá, é um grande equivoco, mesmo que jocoso. Com certeza o JK pensa como o Zeca Pagodinho, cantando: “Deixa a vida me levar, vida leva eu...”. E eu consinto com os dois, observando a vida me levar e levando ela, só que com um olho no gato e o outro no peixe. O gato sou eu mesmo e o peixe são minhas ações nos relacionamentos. JK acerta, também, quando afirma que a felicidade é derivativa. No derivatório feliz, cada um com o seu.
      Abração,
      rjtl

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  2. Boa tarde Roberto,

    Lamento não ter respondido ao seu comentário no Recanto da Letras, ultimamente o tempo tem andado escasso e ainda não consegui, como o Maestro, ampliá-lo. Ironias a parte, gostaria de enfatizar que aquele texto, Anacrônico, já foi objeto de apreciação sua no Idiota Inteligente, mas, o tempo foge aos nosso dedos, e a memória nos furta as lembranças. De qualquer modo fico lisonjeado como suas palavras. É sempre um prazer tê-lo em companhia, aludindo a K, nossos relacionamentos são felicidades que acontecem ao sabor do destino, não existe um projeto, somente a consequência da contato que enriquece nosso viver. Após algum tempo calado, postei hoje mais um texto controverso, que busca instigar a mente daqueles que se conformaram a "verdade". Agora também sobre a influencia Gustave Le Bon, dentre outros. E vamos que vamos, palpitando e deixando a vida nos levar, contudo, atentos.

    Grande abraço,

    Luiz Otávio

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