Jiddu Krishnamurti (*)
AS SOMBRAS DANÇAVAM no gramado verde;
e embora o sol estivesse quente o céu estava muito azul e claro. Do outro lado
da cerca um vaca olhava para o gramado verde e para as pessoas. A reunião das
pessoas lhe parecia estranha, mas a grama verde era familiar, embora as chuvas
já tivessem passado há muito e o solo estivesse marrom-queimado. Um lagarto
pegava moscas e outros insetos no tronco de um carvalho. As montanhas distantes
estavam enevoadas e convidativas.
Ela
disse, sob as árvores, após a palestra, que viera para ouvir caso o mestre dos
mestres falasse. Ela fora muito séria mas agora essa seriedade virara obstinação.
Esta era disfarçada por sorrisos e por uma tolerância razoável, que havia sido
muito cuidadosamente pensada e cultivada; era uma coisa da mente e, assim, podia
inflamar-se em intolerância violenta e irritada. Ela era grande e insinuante;
mas havia uma censura escondida, nutrida por suas convicções e crenças. Era
reprimida e dura, mas havia se dedicado à irmandade e à sua boa causa. Acrescentou,
após uma pausa, que saberia quando o mestre falasse, pois ela e seu grupo
tinham um modo misterioso de sabê-lo, que não era facultado a outros. O prazer
do conhecimento exclusivo era bastante óbvio na maneira como disse isso, pelo
gesto e pela inclinação da cabeça.
O
conhecimento exclusivo, privado, oferece um prazer profundamente gratificante.
Saber algo que os outros não sabem é uma fonte constante de satisfação; isso
proporciona a alguém o sentimento de estar em contato com coisas mais
profundas, que dão prestígio e autoridade. Se você está em contato direto, tem
algo que os outros não têm, e assim você é importante, não só para si mesmo mas
para os outros. Eles o admiram e respeitam, com um pouco de receio, pois querem
compartilhar daquilo que você tem; mas você dá, sempre sabendo mais. Você é o líder,
a autoridade; e essa posição vem facilmente, pois as pessoas querem ser
controladas, conduzidas. Quanto mais temos consciência que estamos perdidos e
confusos, mais ansiosos ficamos para sermos guiados e orientados; portanto, a
autoridade é estabelecida em nome do Estado, em nome da religião, em nome de um
mestre ou de um líder partidário.
O
culto a autoridade, seja em grandes ou pequenas coisas, é mau, pior ainda em
assuntos religiosos. Não existe intermediário entre você e a realidade; e se houver
um, ele é um deturpador, um enredador, não importa quem ele seja, se o mais elevado salvador ou seu mais recente guru
ou mestre. Aquele que sabe, não sabe; ele só pode saber seus próprios preconceitos,
suas crenças projetadas e demandas sensoriais. Ele não pode conhecer a verdade,
o incomensurável. Posição e autoridade podem ser estabelecidas, habilmente
cultivadas, não a humildade. A virtude proporciona liberdade; mas a humildade
cultivada não é virtude, mas simples sensação e, portanto, prejudicial e
destrutiva; ela é uma prisão, de onde se precisa escapar repetidamente.
É
importante descobrir não quem é o Mestre, o santo, o líder, mas por que você o
segue. Você só segue para se tornar algo, para ganhar, para ter clareza. A
clareza não pode ser dada por outro. A confusão está em nós; nós a criamos e temos de removê-la. Podemos alcançar uma
posição gratificante, uma segurança interna, um lugar na hierarquia da fé
organizada; mas todas são atividades autolimitantes que levam a conflitos e sofrimentos.
Você pode sentir-se momentaneamente feliz em sua realização, persuadir-se de que
sua posição é inevitável, de que é seu destino; mas enquanto desejar tornar-se
algo, qualquer que seja o nível, é certo que haverá sofrimento e confusão. Ser como
nada não é negação. A ação positiva ou negativa da vontade, que é o desejo
aguçado e intensificado, sempre leva à luta e ao conflito; não é o meio para o
entendimento. O estabelecimento da autoridade e da obediência a ela é a negação
do entendimento. Quando há entendimento, há liberdade, que não pode ser
comprada ou concedida por outra pessoa. O que pode ser comprado pode ser
perdido, e o que é dado por ser retirado; assim, a autoridade e seu medo são
criados. O medo não será afastado por conciliações e velas; ele termina com o Cesar
do desejo de se tornar.
(*)
Um dos textos do livro: Comentários
sobre o viver. Breves textos – Volume 1/ Jiddu Krishnamurti. Rio de
Janeiro: Nova Era, 2007
Brilhante e contundente o texto de K, traduz muito bem o meu sentir. Infelizmente a credulidade faz cegar as percepções humanas, turvando a mente para a realidade que capta, que de certo modo, refletem a verdade. O medo e a insegurança a respeito de nós mesmos e do que ainda não sabemos nos escravizam e nos tornam em presas fáceis ao engôdo e a impostura. É triste poder enxergar e ainda assim se conformar com esta venda que nos tolhe a visão para a vida.
ResponderExcluirAbraços,
Luiz Otávio