terça-feira, 11 de junho de 2013

Autoridade

Jiddu Krishnamurti (*)

AS SOMBRAS DANÇAVAM no gramado verde; e embora o sol estivesse quente o céu estava muito azul e claro. Do outro lado da cerca um vaca olhava para o gramado verde e para as pessoas. A reunião das pessoas lhe parecia estranha, mas a grama verde era familiar, embora as chuvas já tivessem passado há muito e o solo estivesse marrom-queimado. Um lagarto pegava moscas e outros insetos no tronco de um carvalho. As montanhas distantes estavam enevoadas e convidativas.
            Ela disse, sob as árvores, após a palestra, que viera para ouvir caso o mestre dos mestres falasse. Ela fora muito séria mas agora essa seriedade virara obstinação. Esta era disfarçada por sorrisos e por uma tolerância razoável, que havia sido muito cuidadosamente pensada e cultivada; era uma coisa da mente e, assim, podia inflamar-se em intolerância violenta e irritada. Ela era grande e insinuante; mas havia uma censura escondida, nutrida por suas convicções e crenças. Era reprimida e dura, mas havia se dedicado à irmandade e à sua boa causa. Acrescentou, após uma pausa, que saberia quando o mestre falasse, pois ela e seu grupo tinham um modo misterioso de sabê-lo, que não era facultado a outros. O prazer do conhecimento exclusivo era bastante óbvio na maneira como disse isso, pelo gesto e pela inclinação da cabeça.
            O conhecimento exclusivo, privado, oferece um prazer profundamente gratificante. Saber algo que os outros não sabem é uma fonte constante de satisfação; isso proporciona a alguém o sentimento de estar em contato com coisas mais profundas, que dão prestígio e autoridade. Se você está em contato direto, tem algo que os outros não têm, e assim você é importante, não só para si mesmo mas para os outros. Eles o admiram e respeitam, com um pouco de receio, pois querem compartilhar daquilo que você tem; mas você dá, sempre sabendo mais. Você é o líder, a autoridade; e essa posição vem facilmente, pois as pessoas querem ser controladas, conduzidas. Quanto mais temos consciência que estamos perdidos e confusos, mais ansiosos ficamos para sermos guiados e orientados; portanto, a autoridade é estabelecida em nome do Estado, em nome da religião, em nome de um mestre ou de um líder partidário.
            O culto a autoridade, seja em grandes ou pequenas coisas, é mau, pior ainda em assuntos religiosos. Não existe intermediário entre você e a realidade; e se houver um, ele é um deturpador, um enredador, não importa quem ele seja, se o mais elevado salvador ou seu mais recente guru ou mestre. Aquele que sabe, não sabe; ele só pode saber seus próprios preconceitos, suas crenças projetadas e demandas sensoriais. Ele não pode conhecer a verdade, o incomensurável. Posição e autoridade podem ser estabelecidas, habilmente cultivadas, não a humildade. A virtude proporciona liberdade; mas a humildade cultivada não é virtude, mas simples sensação e, portanto, prejudicial e destrutiva; ela é uma prisão, de onde se precisa escapar repetidamente.
            É importante descobrir não quem é o Mestre, o santo, o líder, mas por que você o segue. Você só segue para se tornar algo, para ganhar, para ter clareza. A clareza não pode ser dada por outro. A confusão está em nós; nós a criamos e temos de removê-la. Podemos alcançar uma posição gratificante, uma segurança interna, um lugar na hierarquia da fé organizada; mas todas são atividades autolimitantes que levam a conflitos e sofrimentos. Você pode sentir-se momentaneamente feliz em sua realização, persuadir-se de que sua posição é inevitável, de que é seu destino; mas enquanto desejar tornar-se algo, qualquer que seja o nível, é certo que haverá sofrimento e confusão. Ser como nada não é negação. A ação positiva ou negativa da vontade, que é o desejo aguçado e intensificado, sempre leva à luta e ao conflito; não é o meio para o entendimento. O estabelecimento da autoridade e da obediência a ela é a negação do entendimento. Quando há entendimento, há liberdade, que não pode ser comprada ou concedida por outra pessoa. O que pode ser comprado pode ser perdido, e o que é dado por ser retirado; assim, a autoridade e seu medo são criados. O medo não será afastado por conciliações e velas; ele termina com o Cesar do desejo de se tornar.



(*) Um dos textos do livro: Comentários sobre o viver. Breves textos – Volume 1/ Jiddu Krishnamurti. Rio de Janeiro: Nova Era, 2007

Um comentário:

  1. Brilhante e contundente o texto de K, traduz muito bem o meu sentir. Infelizmente a credulidade faz cegar as percepções humanas, turvando a mente para a realidade que capta, que de certo modo, refletem a verdade. O medo e a insegurança a respeito de nós mesmos e do que ainda não sabemos nos escravizam e nos tornam em presas fáceis ao engôdo e a impostura. É triste poder enxergar e ainda assim se conformar com esta venda que nos tolhe a visão para a vida.

    Abraços,

    Luiz Otávio

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