Jiddu Krishinamurti *
“Em
um grande cercado, entre muitas árvores, havia uma igreja. As pessoas, negras e
brancas estavam entrando. Dentro havia mais luz do que nas igrejas européias,
mas as disposições eram as mesmas. A cerimônia estava em andamento e havia
beleza. Quando terminou, pouquíssimos negros falaram com os brancos ou os
brancos com os negros, e todos nós tomamos nossos diferentes caminhos.
Em
um outro continente havia um templo, e eles cantavam um hino em sânscrito; era
realizada a Puja, uma cerimônia
hindu. A congregação era de outro padrão cultual. A tonalidade das palavras
sânscritas é muito e poderosa; tem estranhos peso e profundidade.
Você
pode ser convertido de uma crença para outra, de um dogma para outro, mas não
pode ser convertido ao entendimento da realidade. Crença não é realidade. Você
pode mudar sua mente, sua opinião, mas a verdade ou Deus não é uma convicção: é
uma experiência que não está baseada em crenças ou dogmas nem em qualquer experiência
anterior. Se você tiver uma experiência nascida da crença, sua experiência será
a reação condicionada àquela crença. Se você tiver uma experiências inesperada,
espontaneamente, e criar mais experiência sobre a primeira, a experiência será
simplesmente a continuação da memória reagindo ao contato com o presente. A memória
é sempre morta, revivendo apenas em contato com o presente vivo.
Conversão
é a mudança de uma crença ou de um dogma para outro, de uma cerimônia para
outra mais gratificante, mas não abre a porta para a realidade. Pelo contrário,
a gratificação é um estorvo à realidade. E, ainda assim, é o que as religiões
organizadas e os grupos religiosos estão tentando fazer: convertê-lo a um
dogma, uma superstição ou uma esperança mais ou menos razoável. Eles lhe
oferecem uma cela melhor. Pode ser confortável ou não dependendo de seu
temperamento, mas, de qualquer forma, é uma prisão.
Religiosa
e politicamente, em níveis diferentes de cultura, essa conversão está
acontecendo o tempo todo. As organizações com seus líderes fortalecem-se ao
manter os homens nos padrões ideológicos que oferecem, sejam religiosos ou
econômicos. Nesse processo se encontra a exploração mútua. A verdade está fora
de todos os padrões, medos e esperanças. Se você descobrisse a suprema felicidade
da verdade, teria de romper com todas as cerimônias e padrões ideológicos.
A
mente encontra segurança e força em padrões religiosos e políticos, e é isso
que dá energia às organizações. Existem sempre os conservadores e os novos
recrutas. Estes mantêm as organizações funcionando, com seus investimentos e
propriedades, e o poder e o prestígio das organizações atraem aqueles que
cultuam o sucesso a sabedoria mundanos. Quando a mente descobre que os velhos
padrões não são mais satisfatórios e estimulantes, ela se converte as outras crenças
e dogmas mais confortadores e fortalecedores. Portanto a mente é o produto do
ambiente, recriando e sustentando a si mesma em sensações e identificações; e é
por isso que a mente se aferra a códigos de conduta, padrões de pensamento etc.
Visto que a mente é o resultado do passado, ela jamais consegue descobrir a
verdade ou permitir que a verdade tome forma. Ao prender-se a organizações, ela
descarta a busca pela verdade.
Obviamente,
os rituais oferecem aos participantes uma atmosfera na qual se sentem bem.
Tantos os rituais coletivos quanto os individuais dão certa tranquilidade à mente;
eles oferecem um contraste vital com a enfadonha vida cotidiana. Há alguma
beleza e metodicidade nas cerimônias, mas elas são, fundamentalmente,
estimulantes; e, assim como todos os estimulantes, logo entorpecem a mente e o
coração. Os rituais tornam-se vícios; tornam-se uma necessidade, e o indivíduo
não consegue passar sem eles. Essa necessidade é considerada uma renovação
espiritual, uma concentração de força para enfrentar a vida, uma meditação
semanal ou diária e assim por diante; mas, se examinar mais de perto esse
processo, verá que os rituais são vãs repetições que oferecem uma fuga maravilhosa
e respeitável do autoconhecimento. Sem autoconhecimento, a ação tem muito pouca
importância.
A
repetição de cânticos, de palavras e frases faz a mente adormecer, embora seja
estimulante o bastante durante aquele momento. Nesse estado sonolento, experiências
realmente ocorrem, mas são projetadas. Embora gratificantes, essas experiências
são ilusórias. A experiência da realidade não acontece por meio de repetições,
por meio de práticas. A verdade não é um fim, um resultado, um objetivo, ela não
pode ser convidada, pois não é uma coisa da mente.”
* Do livro: Comentários sobre o viver. Breves textos – Volume 1. Rio de Janeiro: Nova Era, 2007
Curiosamente, esse texto foi muito oportuno. Tenho realizado muitas reflexões, comparações e chegado a algumas conclusões perturbadoras a respeito do alvo de meus estudos. A constatação de uma a impostura ampla e abrangente tem me submetido a um turbilhão de pensamentos, onde o juízo do bom senso e a percepção da realidade, tem me escudado contra os conflitos internos que normalmente me afligem quando a verdade crua passa a ser percebida.
ResponderExcluirTenho me lembrado constantemente de você meu caro Roberto, tentado manter minha discrição frente a realidade dos fatos. Uma postura elegante sem dúvida, mas me questiono, é justa tal complacência. Como colocar-se frente ao embuste, aceitá-lo e tentar levar as coisas como se nada estivesse acontecendo, somente para usufruir de um ambiente aprazível, ou respaldar-me na consciência e romper as amarras da mente de forma definitiva.
Grande abraço,
Luiz Otávio
Caro Luiz Otávio, é sempre com alegria que recebo suas manifestações. Elas me parecem sair do fundo do seu coração. Os conflitos internos fazem parte do nosso viver. Pelo menos, no meu viver eu tenho certeza que eles estão presentes. Ainda não superei a prevalente ação dos pensamentos em minha vida. E como diz Krishnamurti, onde há pensamento há conflito. Penso que qualquer escolha que façamos frente a um conflito, geralmente, nos leva a mais conflitos. Penso, ainda, que só quando somos capazes de observar uma situação, um fato, de forma simples, direta e indubitável o implícito é nossa própria ação. Ou seja, somente quando a situação, ou fato, torna-se clara(o), não haverá escolha, há somente ação.
ResponderExcluirUm grande abraço e obrigado pelo comentário,
Roberto Lira