segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Política


Jiddu Krishnamurti (*)
 
BEM ALTO NAS MONTANHAS chovera todo o dia. Não era uma chuva fina, leve, mas um daqueles aguaceiros torrenciais que levam as estradas e desenterram as árvores nas colinas, causando deslizamentos de terra e turbulências nos rios, que ficam calmos em algumas horas.  Um menininho, molhado até os ossos, brincava em uma lagoa rasa e não prestava a menor atenção à voz zangada e estridente de sua mãe. Uma vaca descia pela estrada lamacenta enquanto subíamos. As nuvens pareciam se abrir e cobrir a terra de água.  Estávamos encharcados e retiramos a maioria de nossas roupas, e o contato da chuva com a pele era agradável. A casa situava-se bem alto na encosta da montanha e a cidade estava abaixo. Um vento forte soprava do oeste, trazendo mais nuvens escuras e furiosas.

Havia uma lareira na sala e várias pessoas estavam aguardando para discutir temas. A chuva, batendo nas janelas, formara uma grande poça no chão e a água descia até pela chaminé, fazendo o fogo crepitar.

Ele era um político muito famoso, realista, profundamente sincero e ardentemente patriota. Não era intolerante nem interesseiro, sua ambição não era dirigida a si mesmo, mas a uma idéia e ao povo.  Não era um mero pregador empolado e eloquente ou um caçador de votos; ele sofrera pela causa e, curiosamente, não era amargo. Parecia mais um erudito que um político. Mas a política era o alento da sua vida e o seu partido o obedecia, embora com certo nervosismo. Ele era um sonhador, mas pusera tudo de lado pela política. Seu amigo, o economista-chefe, também estava lá; tinha teorias complicadas e temas voltados para a distribuição de enormes receitas. Parecia conhecido dos economistas tanto da direita quanto da esquerda, e tinha suas próprias teorias para a salvação econômica da humanidade. Falava com facilidade e não havia hesitação nas palavras. Ambos haviam discursado para grandes multidões.

Você já percebeu, nos jornais e nas revistas, a quantidade de espaço dado aos políticos, ao que dizem os políticos e às suas atividades? Claro, são fornecidas outras notícias, mas as notícias políticas predominam; a vida econômica e política tornou-se primordial. As circunstâncias exteriores – conforto, dinheiro, posição social e poder – parecem dominar e moldar nossa existência. A exibição exterior – o título, os trajes, a saudação, a bandeira – tornou-se cada vez mais importante e o processo total da vida foi esquecido ou deliberadamente posto de lado. É tão mais fácil lançar-se em uma atividade social e política do que compreender a vida como um todo. Estar associado a qualquer pensamento organizado, a atividades políticas ou religiosas, oferece uma fuga respeitável da mediocridade e da labuta da vida diária. Com um pequeno coração você pode falar de coisas importantes e dos líderes populares; pode ocultar sua superficialidade com as frases feitas dos assuntos mundiais; sua mente inquieta pode se acomodar feliz e com apoio popular para propagar a ideologia de uma nova ou de uma velha religião.

A política é a conciliação dos efeitos; e como a maioria de nós está preocupada com os efeitos, o exterior assumiu significado dominante. Pela manipulação de efeitos esperamos produzir ordem e paz; mas, infelizmente, não é tão simples assim. A vida é um processo total, tanto interior quanto exterior; e o exterior definitivamente afeta o interior, mas o interior invariavelmente sobrepuja o exterior. O que você é, você cria exteriormente. O exterior e o interior não podem ser separados e mantidos em compartimentos vedados, pois interagem constantemente um com o outro, mas o anseio interior, as buscas e os motivos ocultos são sempre mais poderosos. A vida não depende da atividade política ou econômica; a vida não é uma simples exibição exterior, assim como a árvore não é a folha ou o galho. A vida é um processo total cuja beleza só pode ser descoberta na sua integração. Essa não acontece no nível superficial das conciliações políticas e econômicas; ela se encontra além de causas e efeitos.

Por jogarmos com causas e efeitos e nunca irmos além deles, exceto verbalmente, nossas vidas são vazias, sem muito significado. É por esse motivo que nos tornamos escravos da empolgação política e do sentimentalismo religioso. Só existe esperança na integração dos vários processos a partir dos quais somos formados. Essa integração não acontece por meio de qualquer ideologia ou quando se obedece a qualquer autoridade em especial, política ou religiosa; ela acontece apenas por meio da percepção ampla e profunda. Essa percepção deve chegar aos níveis mais profundos da consciência e não se contenta com respostas superficiais.  


(*)   Um dos textos do livro:  Comentários sobre o viver.  Breves textos – Volume 1 /Jiddu Krishnamurti. Rio de Janeiro: Nova Era, 2007

2 comentários:

  1. Boa tarde Roberto,

    Estou com saudades suas. Também aguardava novas postagens neste blog. Sem querer parecer pedante, me senti meu órfão com sua ausência.

    Não sei porquê as pessoas relutam em emitir suas opiniões a respeito das coisas, será que nossa postura é tão escassa assim?

    Mesmo tendo alguns amigos que já se manifestaram verbalmente sobre o O Idiota Inteligente, a maioria se limita a elogiar os textos e pronto, acabou.

    Será meu caro Roberto que somos tão exóticos assim?

    Será que as pessoas de tão absorvidas pela sua
    materialidade se esqueceram do resto, do imaterial?

    JK no texto acima é bastante contundente em suas asserções sobre a empolgação política e o sentimentalismo religioso. Esse último é metamórfico, tanto eu, quanto você pudemos experimentar isso, quando na verdade nos iludíamos a respeito de nossa própria consciência e a liberdade de pensar. Mas mesmo que outros seres se encontrem naquela situação, eu os julgo privilegiados, mais ou menos como se tivessem galgado um degrau acima do conhecimento "comum".

    Agora, estudando a filosofia com mais profundidade, tenho percebido quanto saber está disponível para alimentar as inquietações humanas, servindo de combustível para o questionamento das coisas.

    As ideologias campeiam pelo mundo afora, são tantas e tão diversas, cada uma a sua maneira, submetem a vontade humana a uma autoridade duvidável sem que a maioria se dê conta disso.

    Será que o comodismo associado conformismo, tem imposto condição tão cruel a mentalidade humana?

    Será que a ciência humana, crente de sua autossuficiência e descrente do desconhecido impalpável, contudo experimentável, não estaria na contramão da evolução íntima, corroborando o materialismo, mergulhando cada vez mais o homem no universo exterior em detrimento da descoberto do "eu" mais profundo?

    Não sei meu amigo, Roberto.

    Só sei que a torrente de questionamentos que me acorrem a mente, tem me atordoado não pelo excesso, mas pela carência dele.

    Ao invés de buscá-la (a consciência), estamos nos tornando cada vez mais inconscientes?


    Grande Abraço,


    Luiz Otávio

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    1. Caro compartilhador, boas tardes!

      Essa sua manifestação inicial, lamentando a ausência de interlocutores no blog, foi algo que também experimentei nos primeiros meses após o nascimento do Ilha de Pala e, na época, fiquei bastante emurchecido. Hoje, com minhas expectativas mais contidas e compreendendo que a decepção que sentia era causada pela ausência de uma fertilização mútua, que penso haver quando compartilhamos nossas reflexões e observações sobre determinado assunto, não me decepciono mais, ou melhor, não sofro com a decepção.

      É uma pena a ausência dessa fertilização, pois as perdas são muitas e mútuas. Mas como diria um Idiota Inteligente: fazer o quê? A vida é o que é.

      Abração,

      rjtl

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